Lançado em abril de 1998, Walking Into Clarksdale representa o único álbum de estúdio com material inédito da parceria de Jimmy Page & Robert Plant desde os tempos do Led Zeppelin. Gravado em apenas algumas semanas e produzido pela própria dupla, o álbum marca um retorno à essência do rock de raiz, mesclando o peso das guitarras de Page com a maturidade vocal e lírica de Plant.

Shining In The Light, a abertura do álbum, tem um brilho particular: é vibrante e calorosa, com uma melodia sustentada por cordas suaves e um ritmo que lembra a fase mais lírica do Led Zeppelin. A voz de Plant está cheia de nuances e nostalgia, enquanto Page cria uma teia de guitarras acústicas e elétricas que se entrelaçam com elegância. A canção fala sobre esperança e iluminação espiritual.
When The World Was Young é mais lenta e melancólica. Traz um Plant reflexivo, quase narrativo. A letra revisita a juventude e a passagem do tempo, com um toque de melancolia e autocrítica. O arranjo é minimalista, sustentado por uma base rítmica seca e pela guitarra de Page, que prefere desenhar atmosferas a despejar riffs.
Aqui o álbum ganha peso e ritmo. Upon A Golden Horse é marcada por uma linha de baixo arrasadora e um Page em plena forma, alternando riffs sujos e linhas melódicas distorcidas. Há ecos do velho hard rock zepeliniano, mas com uma roupagem mais crua e moderna. A performance de Plant é intensa, carregada de teatralidade garantindo um som direto, sem polimento, quase como se estivéssemos ouvindo uma banda tocando ao vivo em um galpão.
Um dos momentos mais belos e introspectivos do álbum, Blue Train é uma balada melancólica, guiada pela voz de Plant em tom confessional, acompanhada por um instrumental contido, cheio de espaço e ressonância. A letra evoca a solidão e a busca interior, usando a imagem simbólica do trem como metáfora para a passagem da vida. Page toca com sutileza, evocando mais sentimento do que virtuosismo.
Antes de ganhar nova vida no aclamado dueto de Plant com Alison Krauss em 2007, Please Read The Letter já se destacava aqui como uma joia de delicadeza e arrependimento. A canção é despojada, movida por um ritmo circular e uma melodia simples, quase folk. Há uma honestidade desarmante em sua entrega, um pedido de reconciliação, uma carta aberta ao passado. O refrão sussurrado e a guitarra acústica ecoante tornam-na uma das faixas mais comoventes da dupla.
Talvez o momento mais ambicioso do álbum, Most High mistura rock e música do Oriente Médio, com a presença marcante de cordas e ritmos étnicos, mas em um contexto mais moderno e elétrico. Plant canta com fervor quase místico, enquanto Page constrói um muro de guitarras tensas e envolventes. A canção fala sobre transcendência espiritual em meio à confusão do mundo moderno, e soa como um ritual. Não à toa, ganhou o Grammy de Melhor Performance de Hard Rock.
Em Heart In Your Hand, o andamento é lento, sustentado por guitarras atmosféricas e um vocal que mistura tristeza e resignação. Plant parece cantar para alguém distante, com uma vulnerabilidade rara. O refrão é melancólico, e o solo de Page, econômico, porém carregado de sentimento.
Walking Into Clarksdale, a faixa-título, é uma homenagem direta às raízes do blues. Clarksdale, cidade do Mississippi, é o berço lendário do gênero e de mitos como Robert Johnson. A música, porém, não é uma cópia de blues tradicional, é uma reinterpretação moderna e sombria. A base rítmica é seca, quase tribal; as guitarras de Page evocam o deserto mais do que o delta, e a voz de Plant parece entoar uma prece antiga. É o coração conceitual do álbum: o retorno à fonte, mas com o peso da experiência.
Aqui o álbum retoma o vigor elétrico. Burning Up é uma das faixas mais diretas e roqueiras do disco, com um riff agressivo e uma batida crua, quase punk. Page soa explosivo, e Plant canta com energia juvenil, lembrando o velho fogo do Led Zeppelin. No entanto, há uma sujeira intencional no som. É o lado cru do álbum.
When I Was A Child é um mergulho na nostalgia e na introspecção. Plant canta com uma doçura contida sobre memórias de infância e a inocência perdida. Page acompanha com guitarras cristalinas e reverberantes, que criam uma atmosfera etérea. Há aqui uma beleza simples e melancólica. É o contraponto perfeito à densidade das faixas anteriores.
Uma das faixas mais subestimadas do álbum, House Of Love tem um groove envolvente, sustentado por um baixo hipnótico e uma bateria seca. Page trabalha com riffs curtos e incisivos, enquanto Plant entrega um vocal cheio de nuances e sutis ironias. A canção parece falar sobre relacionamentos e poder emocional, uma espécie de diálogo tenso entre amor e dominação.
O álbum fecha com energia. Sons Of Freedom é rítmica, com uma pegada quase industrial, mostrando o Page experimental e o Plant provocador. O refrão é quase um mantra libertário, e o som é áspero, propositalmente rude. É uma despedida poderosa, uma afirmação de independência artística e espiritual.
Walking Into Clarksdale é um álbum de retorno e reinvenção. Jimmy Page & Robert Plant não tentam repetir o Led Zeppelin; em vez disso, exploram as marcas que o tempo deixou em suas almas e sons. É uma obra madura, crua e sincera, guiada pelo espírito do blues e pela coragem de envelhecer sem perder a inquietação criativa. Sem perder a alma rock’n’roll. A alma do bom e velho rock’n’roll.
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