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ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

O último imperador do Brasil

Durante bons anos garanti a sobrevivência trabalhando como redator publicitário. Era aquilo que os gringos chamam de ‘criativo’, o sujeito que pensa, conceitua e redige um anúncio ou um comercial. A atividade pagava bem, o suficiente para as papinhas das crianças e o whisky do pai delas. Para ajudar no orçamento, escrevia em jornais e revistas, e comentava em rádios e TVs.

Foi assim que meus parcos neurônios criaram campanhas para grandes clientes e para diversas iniciativas de cunho social. Ponto Frio, Prosdócimo, Banco do Brasil, Ministério da Saúde e Volvo foram alguns dos anunciantes para quem trabalhei. Mas não são as gordas verbas que fazem a rotina de um redator. O dia a dia é dos pequenos clientes.

Em certo momento, a agência em que eu trabalhava passou a atender a rede Galeão de Supermercados, com lojas na região do Uberaba e em São José dos Pinhais. Os donos eram dois irmãos que se tratavam por Seu José e Mestre Antônio. A logomarca era um leãozinho pilotando um avião sem capota. Como ‘leão’ compõe a palavra ‘galeão’, que tem a ver com navio e também com aeroporto – não o Afonso Pena, localizado nas proximidades, mas o do Rio de Janeiro, aquilo fazia algum sentido. Era o que tínhamos.

Certo dia o responsável pelo atendimento da conta, Jorge Cicarello, convoca-me para reunião na sede da empresa, em São José dos Pinhais. O escritório ficava no mezanino de uma das lojas, em meio a pacotes de mantimentos.

Mestre Antônio, sempre conferindo com Seu Pedro se as instruções estavam corretas, comunicou que haviam desenvolvido um kit para a Semana da Pátria, com ingredientes para churrasco, café, cerveja, macarrão, arroz, feijão e sei mais o que. Uma espécie de cesta básica para o feriadão. Queriam um comercial de TV que vendesse o tal kit. A verba para a produção do material era compatível com o preço da oferta: mínima.

Matutei sobre o pedido e achei uma saída. Um imperador de coroa e cetro na mão, sentado em um trono. Ouvia-se a voz de um locutor:

– Dom Preço I está no Supermercado Galeão com esta oferta…

O imperador socava o assoalho com o cetro e entrava a descrição do kit com o preço. Achei que poderia funcionar. A campanha foi ao ar.

Quase no fim daquele setembro, Cicarello me avisa que Mestre Antônio pedia nova reunião. O tal kit tinha vendido tão bem que os irmãos precisavam manter D. Preço I no ar. Argumentei que a Semana da Pátria já tinha passado, não tinha sentido insistir com o personagem. Mestre Antônio não se sensibilizou:

– Seu Ernani, o senhor tem as artes – batendo com o dedo indicador no cérebro.

Entendi a mensagem, amado mestre. Então, dias depois, os telespectadores viram a imagem de uma sacada de uma casa, agora demolida, quase em frente de onde hoje fica o Shopping Pátio Batel. As portas da sacada eram abertas, ouvia-se um clarim e D. Preço I assomava ao peitoril para proclamar:

– Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico.

O locutor completava:

– D. Preço I fica no Galeão com estas ofertas, etecetera e tal.

Deu certo. Ele protagonizou os comerciais do Galeão por mais uns dois meses. ‘Abdicou’, antes do Natal.

O mais cretino dos trocadilhos que já perpetrei, e acrescento que sou autor de algumas obras-primas de mau gosto nesse mister, ganhou medalha de ouro naquele ano para publicidade de varejo. Os jurados do Prêmio Colunistas morreram de rir com aquela bobagem.

D. Preço I, o último imperador do Brasil.

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