
Às vésperas dos 78 anos, um olhar sereno sobre o tempo, as perdas, os filhos e as decisões que não podemos delegar ao destino
Prestes a completar 78 anos – não é segredo, será, BzH (*), neste dia 8 – tenho pensado cada vez mais sobre o tempo, esse juiz implacável que não aceita acordos, não negocia com ninguém.
Os amigos mais próximos sabem que, aos 17, perdi pai, mãe e duas irmãs num acidente. Talvez por isso, vivi muito tempo com o receio de morrer jovem e deixar meus quatro filhos (do primeiro casamento) órfãos de pai.
O tempo, no entanto, mostrou-me o contrário. A vida me deu também mais dois filhos – os do primeiro casamento de minha segunda esposa – que acolhi e amo como meus.
Foi acompanhando o crescimento de todos eles que compreendi a verdadeira dimensão da passagem do tempo e a importância das decisões que a vida não toma por nós.
Com a humildade de quem reconhece suas limitações e com a franqueza permitida pela idade provecta, admito que todos eles se tornaram seres humanos íntegros, generosos, igualitários e dotados de caráter – principalmente por méritos das mães, que, sem dúvida alguma e dispensada a modéstia, concordarão comigo.
Mas, voltando ao tema da coluna de hoje, recomendo enfaticamente a leitura do artigo publicado no G1, na seção Bem Estar, em 14/06/2018, assinado por Mariza Tavares. Ele trata das decisões que todos deveríamos tomar – ou, ao menos, refletir – antes que seja tarde demais.
Lembro de ter ouvido que “a vida, afinal, é a única viagem em que sabemos o destino, mas fingimos que não. Falar sobre o fim não é pessimismo – é apenas colocar o mapa sobre a mesa antes de chegar lá”.
Bem estar
Longevidade: modo de usar
A conversa para ter consigo mesmo antes que seja tarde demais
Por que é importante planejar antecipadamente as decisões do fim da vida
Por Mariza Tavares, Rio de Janeiro
O médico Frank D. Ferris, diretor-executivo de medicina paliativa da Ohio State University, é uma referência mundial no que se relaciona a cuidados no fim da vida. No XXI Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, ele comandou uma sessão de reflexão sobre o tema, enfatizando a importância do que chamou de uma conversa consigo mesmo sobre os últimos dias da própria vida: “não é opcional, todos passaremos por isso. Apenas 10% das pessoas têm morte súbita, portanto são grandes as chances de enfrentarmos um período de declínio e dependência, quando não teremos mais chance de expressar nossa vontade. Vamos deixar que outros decidam por nós?”.
A tomada de decisões depende de o paciente ser capaz de descrever sua situação atual e entender as consequências de aceitar ou recursar determinados tratamentos, ou seja, demonstrar capacidade de julgamento. Essa capacidade pode ser afetada ou perdida em casos de doença grave: por exemplo, no estágio final de um câncer; ou quando há falência dos órgãos. Na Doença de Alzheimer, a escala Fast mede a progressão da enfermidade, que vai de incipiente a severa. A partir da etapa 6, estima-se que a dependência pode se estender de dez a 20 anos. O doutor Ferris pergunta à plateia o que preferimos no dia a dia: não ter informações sobre o que se passa? Não receber informações que quem as têm? “O mesmo acontece no fim da vida: será que quero ser entubado? Ou ressuscitado? Sempre parece muito cedo para falar disso, até ser tarde demais”, questiona.
É quando ele propõe que todos na sala se façam essas perguntas, que constam do The Conversation Project, cujo kit tem versão em português e pode ser baixado. Embora 90% das pessoas digam que é importante conversar com os familiares sobre os cuidados no fim da vida, apenas 27% dizem tê-lo feito. Além disso, 60% afirmam que não gostariam de sobrecarregar os entes mais próximos com decisões difíceis, mas 56% não comunicaram seus desejos.
Vamos às questões, algumas de dar um nó na garganta: por quanto tempo você quer receber tratamentos médicos agressivos ou invasivos? Se tiver uma doença terminal, preferiria não saber sobre sua progressão ou gostaria que o médico comunicasse sobre a estimativa do tempo que lhe resta? Quais são suas preferências sobre onde quer estar nos últimos dias de sua vida: numa instituição de saúde ou em casa? Para o especialista, todos os médicos deveriam se fazer essas perguntas, para se colocar no lugar dos pacientes que enfrentam o problema.
Conversar consigo mesmo pode ser um processo demorado, cada um deve encontrar seu próprio tempo. Em seguida, a conversa deve ser com a família e amigos próximos. Quem não tem disponibilidade financeira para fazer um testamento vital, com o auxílio de um advogado, pode registrar suas ideias por escrito e incluir no prontuário. O ideal é um médico de confiança orientar em relação aos termos técnicos. Deixe cópias com pessoas de confiança, que representarão suas vontades – e lembre-se que nada impede que o documento seja revisado sempre que você achar necessário.
(*) BzH – Be’ezrat Hashem no hebraico, enfatiza que algo será feito com a ajuda de D’us — uma expressão de confiança e cooperação divina (“Farei tal coisa, com a ajuda de D’us”).
(Foto: Unsplash)
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