Quando falamos do peixe na gravura, logo nos vem à mente as obras de Maurits Cornelis Escher, arista holandês (1898-1972) que, com seus intrincados quebra-cabeças de formas entrelaçadas e obras que brincam com nosso olhar, teve nos peixes muitas de suas inspiradas obras e conquistou grande número de admiradores. Os peixes, esses animais aquáticos, vertebrados e silenciosos nos maravilham com suas formas, as mais extravagantes, suas cores e movimento, muitas vezes dançando em cardumes fantásticos. Quando era pequena, eu ficava assombrada com os desenhos da Enciclopédia Britânica que retratavam os peixes das regiões abissais. Nem sempre de fácil representação, os peixes são muito retratados, sobretudo em naturezas mortas, mas aqui vamos falar um pouquinho de sua presença na gravura, como técnica artística.

Fazer arte é contar histórias de formas as mais diversas. Em diferentes épocas, os relatos aconteciam usando as ferramentas e produtos disponíveis naquele momento histórico. A gravura, da mesma forma, é uma das muitas técnicas desenvolvidas pelo homem através dos tempos e tornada mais popular a partir do Renascimento, mas que, na China, já era conhecida e onde madeira e pedra eram usadas para gravar, desde o século II. Gravar é desenhar, escrever ou marcar uma matriz – que pode ser pedra (litografia), madeira (xilografia) e metal (metal) – com relevo e, por meio das técnicas apropriadas, passar o desenho da matriz para o papel. A técnica permite a multiplicação da imagem produzida na matriz. Grandes obras da literatura foram ilustradas com gravuras de Dürer, Goya e Gustave Doré, entre outros. Modernamente surgiram outras técnicas como, por exemplo, o linóleo, ou a serigrafia.

Na gravura brasileira, o cearense Aldemir Martins (1922-2006), nadou de braçada nessa arte e no tema dos peixes. Ilustrador, pintor e escultor, além dos temas nordestinos, retratou muito os animais e, dentre eles os peixes, gatos e galos, com um traço inconfundível. Artista de renome nacional e internacional deixou uma marca muito forte pelos caminhos coloridos que traçou. Como uma curiosidade especial, lembramos que foi aluno de Poty Lazzarotto, na escola fundada por ele na década de 1940, no Museu de Arte de São Paulo.
Outro gravador de grande força dentro da gravura brasileira foi Orlando DaSilva (1923-2012), de quem já falamos aqui em colunas anteriores. Trouxe até nós, pela sua arte, a natureza, sob a forma de peixes, baleias, répteis e outros animais fantásticos. Em cores fortes, ou preto e branco, nos belos álbuns que montou, algumas vezes, Orlando criou obras únicas impressas em papel artesanal e coloridas à mão. Um tesouro!
Inspirada pela arte indígena brasileira, e num percurso buscando referências próprias, criei várias obras com peixes, tanto na escultura como na gravura e em outras técnicas. As gravuras que apresento aqui são litografias dos anos 90. Na trilha de Orlando DaSilva, saudoso amigo, ousei colocar uns recortes e pedacinhos de pena de galinha d’angola que encontrava em minhas caminhadas e que, também, vieram a incorporar algumas outras obras.
A natureza tem sido fonte infinita de inspiração e as linguagens artísticas usadas para expressá-las são inúmeras – basta observar a técnica tradicional japonesa chamada Gyotaku. Assim como em tantos momentos da história da humanidade, houve a necessidade de registrar acontecimentos, histórias ou aventuras e, no caso do Gyotaku, os pescadores queriam demonstrar aspectos dos espécimes capturados por eles, sem precisar levá-los consigo. O Gyotaku exige tintas naturais, como a de lula ou o sumie e papel de arroz, que é bem sensível aos detalhes mais sutis. Nessa técnica, a matriz é o próprio pescado que é intintado para deixar suas formas registradas no papel que é pressionado sobre o peixe.

A gravura, por ser uma técnica de reprodução, permitiu sua popularização como arte, colocada nos mais variados meios – desde livros, como a Bíblia, de história, ciências, propaganda, até os mais diversos tipos de impressos – ou valorizada em si mesma, por suas qualidades técnicas e estéticas. Já os peixes, que além de nos ter encantado e nos alimentado desde sempre, inspiraram a criação de grandes histórias e documentos, além de muita arte.
(Ilustração de abertura: ALDEMIR MARTINS, peixe, gravura P/A, datado de 1981, sem moldura, assinada pelo artista.)
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