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ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

O furto de um jipe oficial

Naqueles anos de boemia irresponsável, a saber, na virada dos anos 1950, três amigos se encontraram no Bar Caiobá, na Rua XV, para um aperitivo no fim de uma tarde ensolarada de sexta-feira. Na mesa, um jornalista, um procurador da prefeitura e um desenhista de muita criatividade, todos a beber seu chopp e beliscar algum petisco.

A conversa seguia animada quando um jipe da Sunab, a autarquia federal responsável pelo controle dos preços ao consumidor, estacionou em frente ao bar. Da boleia saltou um amigo da turma, funcionário da repartição. Para surpresa dos integrantes da mesa, o barnabé foi resolver algum assunto em algum lugar ali por perto, antes de entrar no boteco.

Era o pretexto para o desenhista conferir se a chave havia ficado na ignição. Lá estava. Penduraram a conta, avisando o garçom que o tal motorista, amigo do peito deles, pagaria as despesas e aboletaram-se no jipe. Para onde iriam?

– Para a praia, determinou o jornalista.

E lá foram os três amigos da onça. Tomaram o caminho da Estrada da Graciosa, único trajeto ao litoral naquela época e pararam em uma churrascaria de beira de estrada em Colombo. Dali ligaram para as suas senhoras, avisando que estavam indo resolver um problema qualquer em Paranaguá a pedido do prefeito, prevendo voltar assim que a questão estivesse resolvida.

Com aquele carro oficial parado em frente ao seu estabelecimento, trazendo na porta a inscrição reveladora (“Uso exclusivo em serviço”), o dono do restaurante nem pensou em cobrar pela janta.

A escala seguinte foi em Morretes. No único bar aberto encontraram um violonista dedilhando as cordas com imensa tristeza. Havia sido despedido da Indústria Matarazzo, em Antonina, o que iria inviabilizar seu casamento, marcado para um dos meses seguintes. Os três mosqueteiros convenceram o rapaz a acompanhá-los à casa da noiva para uma serenata. Mostraram tanta afinação que o pai da moça abriu a porta e ofereceu licores aos românticos malfeitores. Em troca, eles garantiram ao sogro que o pretenso genro já tinha emprego em Curitiba, inclusive iria se apresentar no trabalho a partir da semana seguinte. Ou seria na Sunab ou na prefeitura municipal.

Já amanhecia quando seguiram viagem, para chegar em Matinhos a tempo do café da manhã em uma pousada convidativa. De novo o jipe gerou efeitos. Mesmo sem ameaçarem olhar os livros para ver se as diárias cobradas estavam dentro dos parâmetros exigidos pela Sunab, o hoteleiro deu-lhes um desconto de 50%. Dormiram o sono dos mansos, para emendar com outra sessão de aperitivos à noite no Saloon Bar.

Voltaram para casa no domingo pela manhã, sabendo da descompostura que iriam receber das respectivas. Depois de deixar o jipe em frente ao Bar Caiobá, com o tanque de gasolina na reserva, avisaram ao desesperado servidor federal que a chave estava embaixo do banco do motorista. E trataram de enfrentar a tempestade doméstica.

Dois dias depois, o procurador foi avisado pela secretária que um moço (“o do violão”) estava na recepção. O advogado estava pronto para dizer que ali não havia vaga, mas não, o rapaz não queria o emprego. Depois da serenata, o sogro ficou tão sensibilizado com a sua iniciativa de procurar emprego em Curitiba, que foi pessoalmente ao escritório da Matarazzo insistir para que ele fosse readmitido. Deu certo, o casamento estava garantido. Era para agradecer que ele estava ali. Nunca havia encontrado pessoas tão talentosas e prestativas como aquele amigo advogado e seus colegas da Sunab.

E honestas, poderia ter acrescentado. Ou o ato de devolver o jipe ao mesmo lugar de onde havia sido surrupiado não significava honestidade?

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