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ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

O atropelamento de um pé

Há muito tempo, em um bairro curitibano de classe média, um desajeitado rapaz passou a ser objeto de desejo de uma jovem. Ela o tinha como galã, embora a realidade e o espelho a desmentissem. Pobre menina, cantariam Leno e Lilian.

A paixão aumentou de intensidade quando os dois foram emparceirados na quadrilha da festa junina promovida todos os anos em uma das ruas do bairro. Dançaram, conforme haviam ensaiado, dois pra lá, dois pra cá. Depois de alguns anarriê e balancê, ela adorou a parte do vis-à-avis e do avancê.

Mas ele não avançou, para frustração da garota. Seu desejo ficou nisso. O jovem estabanado tratou de consumir doses exageradas de quentão e desapareceu das vistas.

Tarde da noite, a animação já exaurida, as empregadas da residência dos promotores da festa foram para seu quarto, em busca do merecido sono depois de uma jornada de quase 20 horas de labuta. Ao entrarem no quarto, deram com um intruso em uma das camas. Era o dançarino fujão, em pleno sono etílico. Acordado a vassouradas, tomou o caminho de casa, acabrunhado como cachorro ladrão.

O dia seguinte era sábado. O rapaz deu-se ao trabalho de lavar o Aero-Willys de seu pai, com a intenção de passear pelo bairro, o cotovelo para fora da janela, um  cafona bancando o exibido. Sabia que ela estaria pelas redondezas, conversando com as amigas, o que lhe daria a chance de pedir desculpas pelo desaparecimento da noite anterior.

A paixão da moça se estendia ao automóvel. Para demonstrar seu amor, já havia dito brincando que morrer embaixo das rodas daquele carro seria glorioso. Pois naquela tarde o desígnio quase tornou-se realidade. Quando o reluzente Aero-Willys apontou na esquina, a moça pulou do meio-fio para o asfalto. O jovem e incompetente motorista veio manobrando o carro até chegar bem junto dela. Foi quando ouviu um berro:

– Meu pé, você passou em cima do meu pé!

A sorte é que em junho em Curitiba todo mundo anda protegido do frio. Ela estava de botas. Ele, sentindo-se nu de vergonha. Pediu desculpas, engatou a primeira marcha e foi embora. Deu tempo para ver pelo retrovisor outras garotas escangalhando-se de rir.

Com ele, a certeza de que sempre seria um trapalhão na vida.

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