Como um quarteto, o Motörhead lançou seu nono álbum de estúdio, 1916, em janeiro de 1991. Uma porrada sonora. Os dois guitarristas, Phil Campbell e Wurzel Burston, dão peso e velocidade às canções. A bateria de Phil “Animal” Taylor eleva o som ao seu barulho máximo. E o baixo e vocais de Lemmy Kilmister são inconfundíveis. Uma verdadeira lenda do rock’n’roll. A produção ficou a cargo de Peter Solley e Ed Stasium, transformando peso e sujeira em melodias fortes e viscerais.

O começo com The One To Sing The Blues já é inusitado: em vez de um ataque imediato, a banda abre com groove. O baixo de Lemmy conduz como um motor, pesado, mas com balanço, enquanto Campbell solta riffs secos e precisos. A bateria segura a tensão, criando uma sensação de que a música pode explodir a qualquer momento. O refrão é daqueles que gruda, quase um manifesto: Lemmy se apresenta como “aquele que canta o blues”, mas um blues eletrificado e com punhos cerrados.
Em I’m So Bad (Baby I Don’t Care) a banda está em sua forma mais crua: rápida, curta e debochada. É Lemmy no auge da autoconfiança, cuspindo versos como se fosse um sermão do rock. O baixo distorcido empurra a faixa para frente com ferocidade, enquanto Campbell solta riffs que parecem serras elétricas. É puro hard rock sujo e direto.
No Voices In The Sky é uma das canções mais marcantes do álbum. Traz crítica social e política, tema recorrente da banda, envolta em um riff pesado e arrastado. O andamento é menos frenético e mais ameaçador, como se a música fosse um tanque avançando. A melodia do refrão dá um ar quase melancólico, mostrando uma faceta mais sombria da banda.
Going To Brazil é explosiva e divertida. A canção tem apenas dois minutos e meio, mas é pura energia. O riff é direto, a bateria parece atropelar e Lemmy canta com um sorriso sarcástico. Foi uma das músicas mais tocadas ao vivo pela banda, justamente porque traduz a alma da banda: barulho, velocidade e prazer em fazer rock sem rodeios.
Em Nightmare / The Dreamtime a banda dá uma guinada surpreendente. É uma faixa mais atmosférica, quase experimental para os padrões do grupo. Sons de teclado e arranjos sombrios criam um clima de pesadelo, com a voz de Lemmy ecoando como se viesse de outro mundo. É uma canção que mostra como a banda sabia criar tensão sem depender apenas de volume.
O grande momento inesperado do álbum: Love Me Forever. Uma balada intensa e dolorida, conduzida por guitarras pesadas, mas com um refrão emocional. Lemmy canta de forma quase vulnerável, algo raro de se ouvir nele, e a letra fala de amor e desejo em tom desesperado. É uma das músicas mais diferentes da discografia da banda e prova que eles sabiam ser melódicos sem perder força.
Angel City quebra completamente o molde habitual da banda. O resultado é uma faixa de clima urbano, com groove sujo e uma cara de rock de bar esfumaçado. Pode soar estranha para quem espera apenas velocidade, mas é uma amostra de ousadia: Lemmy sempre foi um fã de rock’n’roll clássico e aqui deixou isso transparecer.
Em Make My Day a banda volta à pancadaria sem concessões. Rápida, dura e direta, é o tipo de canção feita para abrir rodas de pogo. Campbell solta riffs afiados, a bateria acelera sem piedade e Lemmy canta com ironia provocadora. É o Motörhead na essência: diversão violenta e suja.
R.A.M.O.N.E.S. é um presente aos Ramones, amigos e inspiração de Lemmy. A faixa é curta, veloz e punk até o osso. Tem menos de dois minutos, mas transmite mais energia do que muito disco inteiro. É uma homenagem sincera, carregada de carinho, tanto que os próprios Ramones acabaram incorporando a música em seus shows.
Shut You Down é pesada, arrastada e com riffs que parecem socos. É uma das faixas mais densas do álbum. A letra é simples e agressiva, um recado direto aos que se opõem ao estilo de vida da banda. É menos imediata que as outras, mas contribui para o equilíbrio do álbum, trazendo peso sem velocidade.
1916 surpreende qualquer fã. Em vez de guitarras distorcidas, ouvimos cordas e bateria marcial, com Lemmy cantando em tom grave e solene sobre os jovens mortos na Primeira Guerra Mundial. É uma canção triste, sensível e humanista, talvez a mais emotiva que Lemmy escreveu. Colocá-la como faixa final é um golpe certeiro: depois de toda a fúria e sarcasmo, vem um lamento que silencia o ouvinte.
1916 é um álbum que captura o Motörhead em sua essência, mas também mostra a coragem da banda de experimentar. Tem pancadas diretas, diversão pura, experimentos sonoros e até balada intensa. É um trabalho versátil, cheio de vitalidade, que prova por que Lemmy e sua trupe sempre foram mais do que apenas “a banda mais barulhenta do mundo”: eram músicos com personalidade, coração e inventividade. Eram músicos de rock’n’roll. O bom e velho rock’k’roll.
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