Sim! Já falamos de Deep Purple nessa coluna. Algumas vezes. Mas dessa vez é especial. Comemoramos os cinquenta anos do álbum Come Taste The Band, o décimo da discografia da banda e o único com o virtuoso guitarrista Tommy Bolin. Depois que Ritchie Blackmore se desentendeu com o restante dos membros da banda, David Coverdale (vocais), Glenn Hughes (baixo e vocais), Jon Lord (teclados) e Ian Paice (bateria) recrutaram Bolin depois de algumas audições com outros guitarristas. A fusão de ritmos, como funk, soul e groove, misturados com o hard rock tradicional da banda foi marcante. O álbum foi lançado em 10 de outubro de 1975 e teve a produção da própria banda e do amigo de longa data, Martin Birch. Teve vendagens discretas na época, porem virou um álbum muito querido por crítica e público décadas depois. Depois desse álbum a banda se dissolveu, voltando só em 1984 com Ian Gillan, Roger Glover e Ritchie Blackmore.

O álbum já começa em alta rotação. Comin’ Home é uma explosão de energia, com o vocal de David Coverdale rasgando sobre uma base veloz e riffs cortantes de Tommy Bolin. A bateria de Ian Paice é precisa e feroz, enquanto Glenn Hughes adiciona backing vocals e baixo pulsante com toques de funk. O solo de Bolin, cheio de fluidez e wah-wah, mostra que ele não queria ser uma mera sombra de Blackmore. É o cartão de visitas de um novo guitarrista com personalidade própria.
Mais concisa e radiofônica, Lady Luck tem uma pegada soul-rock irresistível. O groove é mais relaxado, com um riff espetacular e uma performance vocal dupla entre Coverdale e Hughes que dá à faixa uma textura rica e quente. A influência americana de Bolin é evidente, o swing da guitarra e o timbre limpo contrastam com o peso dos álbuns anteriores.
Em Gettin’ Tighter a banda mergulha de vez no funk rock. A canção é dominada por Glenn Hughes, tanto no baixo quanto nos vocais principais, e soa como um híbrido de rock pesado e groove dançante. O riff principal é seco e sincopado, enquanto o solo de Bolin flerta com o jazz fusion. A faixa se estende em uma jam contagiante, onde Paice e Bolin se divertem com improvisos. É uma das músicas mais ousadas da discografia da banda, rompendo de vez com o molde hard clássico.
Dealer começa com um riff sombrio e sinuoso, mas com uma nova paleta sonora. Coverdale canta sobre vícios e tentação, enquanto Bolin assume os vocais em um verso, um detalhe raro e interessante. A letra tem um tom quase autobiográfico, já que Bolin enfrentava problemas sérios com drogas. O clima é tenso, quase premonitório, e o solo central é incendiário, misturando técnica e emoção de forma crua. “Running from the dealer, Trying to save your soul. In the beginning all you wanted, Was the calm before the storm, If the bluebird plays the eagle, He finds his song will turn to stone. Dealer.”
I Need Love traz um riff robusto e uma linha de baixo vigorosa, com Paice mantendo o ritmo firme. A combinação Coverdale-Hughes volta a brilhar, explorando temas de desejo e carência emocional. Bolin mostra sua habilidade para criar riffs simples, mas poderosos, e o resultado é um hard rock clássico.
Drifter tem uma energia que remete aos primeiros anos da banda, mas filtrada pela sonoridade mais moderna da metade dos anos 70. A canção fala de incerteza e movimento constante, um reflexo do próprio estado da banda naquele momento. O riff principal é rasgado, enquanto Bolin alterna entre passagens melódicas e explosivas. O refrão, com os vocais em coro, dá um ar quase de despedida, como se o grupo soubesse que essa formação não duraria muito. “Born a loser, I’m beyond the law, Women behind me, Never can find me, They can never get together, What I’ve been here for, ‘Cause I’m a drifter.”
Com um baixo quase funk e um groove sensacional, Love Child é outro exemplo do flerte entre hard rock e soul. A canção destaca o entrosamento entre Hughes e Bolin, baixo e guitarra dialogam o tempo todo. A ponte instrumental traz um clima psicodélico, quase hipnótico. É um dos pontos altos do álbum, mostrando que a banda ainda era capaz de reinventar-se sem perder identidade.
This Time Around / Owed To ‘G’ é uma faixa dupla, o momento mais sofisticado do álbum. This Time Around é uma balada soul cantada por Glenn Hughes com elegância, emoldurada por teclados etéreos de Jon Lord. A transição para Owed To ‘G’ é instrumental e sublime. Uma suíte jazz-rock onde Bolin brilha com solos cheios de feeling e dinâmica. A faixa é um tributo não apenas à musicalidade da banda, mas também à sua liberdade criativa.
Fechando o álbum com grandeza, You Keep On Moving é um hino melancólico e espiritual. O diálogo vocal entre Coverdale e Hughes é magistral, e o arranjo cresce com elegância até um clímax emocionante. Os teclados de Jon Lord dão um toque quase sinfônico, enquanto Bolin entrega um solo cheio de lirismo, possivelmente seu melhor momento no álbum. A canção soa como uma despedida: serena, madura e cheia de emoção contida. É um encerramento perfeito para um álbum que marcou o fim de uma era.
Come Taste The Band é um dos álbuns mais subestimados do Deep Purple. À primeira vista, ele pode parecer uma ruptura com o som clássico da banda, mas, na verdade, é uma expansão, uma fusão de estilos que reflete o talento e as tensões de uma formação única. Tommy Bolin trouxe frescor e ousadia, Coverdale e Hughes mostraram maturidade vocal e Jon Lord e Ian Paice sustentaram a base com maestria. Meio século depois, o álbum soa vivo, corajoso e moderno. Uma fusão de ritmos e rock’n’roll. O bom e velho rock’n’roll.
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