Completando trinta anos, Circus, quarto álbum do multi-instrumentista Lenny Kravitz, mostra a versatilidade e a espiritualidade do músico. Lançado em setembro de 1995, catapultou de vez Kravitz ao estrelato mundial. Gravado em estúdios das Bahamas e da França e produzido pelo próprio Kravitz.Tem o auxílio do baixista Henry Hirsch e do guitarrista Craig Ross em algumas faixas, mas Lenny toca todos os instrumentos.

Rock And Roll Is Dead abre de forma explosiva com um riff sujo e cheio de energia, em que Kravitz lança uma provocação: o rock and roll estaria morto? É uma faixa de ataque frontal, com bateria seca e guitarras carregadas de distorção, que lembra a pegada setentista de Led Zeppelin, mas com a ironia dos anos 90. O sarcasmo do título contrasta com a vitalidade da música, deixando claro que, para Kravitz, o rock não apenas continua vivo, mas pulsa em cada nota.
Circus, a faixa-título, desacelera, trazendo uma atmosfera mais introspectiva. O tom é quase melancólico, com guitarras limpas, percussão marcada e uma construção que mistura elementos soul com rock. A letra reflete o lado sombrio da fama, comparando a vida no estrelato a um “circo” cheio de ilusões e pressões.
Em Beyond The 7th Sky o clima muda novamente: um mergulho psicodélico com guitarras cheias de efeitos, baixo profundo e uma cadência lenta que sugere crueza. A letra, repleta de espiritualidade e desejo de ultrapassar limites terrenos, dialoga com a busca de Kravitz por respostas existenciais. É uma faixa hipnótica, que mostra sua habilidade em unir misticismo e groove.
Tunnel Vision traz guitarras afiadas e um groove denso, sustentado pelo baixo. O clima é tenso, quase claustrofóbico, refletindo a sensação do título: estar preso em uma visão estreita, em um caminho sem saídas. A sonoridade remete tanto ao hard rock clássico quanto ao grunge, demonstrando como Kravitz absorvia as tendências da época sem perder sua identidade rock’n’roll.
Can’t Get You Off My Mind é uma das baladas mais marcantes do álbum. Kravitz assume um registro delicado e emotivo, conduzido por violão e arranjos sutis. A letra fala de amor, ausência e saudade, transmitida com honestidade e vulnerabilidade. “I’ve got a pocket full of Money, And pocket full of keys that have no bounds, But then I think of lovin’, And I just can’t get you off of my mind.”
Em Magdalene a crueza retorna, com riffs cortantes e uma interpretação cheia de energia. A canção mistura sensualidade e espiritualidade na letra, num jogo típico de Kravitz, em que desejo físico e referências religiosas se encontram. O instrumental é direto e vibrante, com bateria marcada e um refrão poderoso.
God Is Love é um interlúdio quase gospel. Voz e arranjo minimalista criam um momento de pureza espiritual, reafirmando a conexão de Kravitz com a religiosidade e a busca por sentido maior. Funciona como uma espécie de oração no coração do álbum. Ecos da psicodelia sessentista.
Thin Ice é um dos pontos altos do álbum. Traz uma sonoridade densa, carregada de blues rock, com riffs pesados e atmosfera soturna. A metáfora do “gelo fino” reforça a ideia de instabilidade emocional e existencial. A interpretação vocal de Kravitz é intensa, quase angustiada, transmitindo bem o peso da letra. “You can live your life for so long, But when you’re walking on thin ice you will fall.”
Don’t Go And Put A Bullet In Your Head é uma faixa urgente, de protesto, que une groove funkeado e eletrônica. A mensagem é clara: um alerta contra a autodestruição, seja literal ou simbólica. Destoa das outras faixas. Desnecessária.
In My Life Today, mais suave e contemplativa, essa faixa mostra o lado soul e acústico de Kravitz. O arranjo é elegante, com violões e vocais em camadas, transmitindo um sentimento de esperança e renovação.
O encerramento do álbum é épico. A “zeppeliana” The Resurrection mistura peso e espiritualidade em uma composição que cresce progressivamente, com guitarras carregadas de distorção e vocais passionais. A ideia de renascimento, de reerguer-se após crises, fecha o álbum em tom de superação.
Circus é um álbum de contrastes. Entre o peso do rock cru e a delicadeza das baladas, entre a crítica social e a espiritualidade pessoal, Lenny Kravitz entrega uma obra que reflete seu momento de turbulência nos anos 90, mas também sua versatilidade artística. É um registro autêntico. Do autêntico rock’n’roll. Do bom e velho rock’n’roll.
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