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maria do rocio vaz cabeca

Histórias de uma cadeira de balanço

A menina amava aquela varanda de paredes cor-de-rosa. Duas cadeiras de balanço, com braços de madeira, assento e encosto de palha trançada, faziam a felicidade de quem queria ver a vida passar. Samambaias penduradas nos cantos emolduravam a janela, protegida pela cortina de brocado verde-escuro.

Naquele lugar, os sonhos voavam livres, junto com os pássaros, algo que nunca mais aconteceria. Dali, observava o movimento da rua, e esperava o ranger do portão, anunciando a chegada de alguém querido.

Na floreira bem cuidada cresciam as mudas de junquilho amarelo, cujas notas doces e delicadas conversavam com sua essência mais profunda. Em meio a eles nasciam os trevos. Ah, os trevos! Quem dera encontrar um de quatro folhas, porém eles eram proibidos. Acreditava-se em Deus, não em sorte.

A propósito, Deus brincava com ela no terraço, lá fora. Rodeado de jardineiras repletas de amores-perfeitos de todas as cores, aquele era o cenário favorito. Dois bancos de cimento revestidos de cacos de azulejos coloridos estavam sempre à disposição das bonecas e bolsas carregadas de itens essenciais, como o creme Nivea, “emprestado” da avó.

A garotinha ia e vinha por todos os espaços como se estivesse em casa. Apressada, atravessava o hall de entrada e logo deparava-se com o espelho da lareira: sério, imponente. Então parava, olhava o reflexo, e questionava se era ela mesma. Muitas vezes, mais tarde, repetiria esse gesto de autoconhecimento e sabedoria. É tão fácil perder-se de si… Mas, naquele momento, poderia muito bem ser uma de suas irmãs tentando imitá-la.

Seguia distraída e, ao passar pela sala de jantar, admirava as flores do lustre de porcelana, que mais parecia um carrossel, de tão lindo.

A imaginação e o riso eram bons amigos da infância. E, se o piano preto, herança de outro século, estivesse aberto, seus dedos não resistiam à brincadeira. Certamente foram mãos de criança que batizaram aquelas teclas com vida longa. O som delas ainda ecoa por aí.

Tudo era tão convidativo! O clássico relógio de parede soava as badaladas certeiras: assustador e fiel. Além do sério anúncio que aquela era a melhor das horas, nada mais havia de austero naquele ambiente.

Ao chegar, finalmente, à cozinha, os braços magricelas faziam força para abrir a porta da geladeira modelo anos sessenta. O esforço valia a pena: comer uvas-passas da caixinha, às escondidas, era um prazer reservado para ser contado bem mais tarde.

A avó, olhos claros e ternos, fingia que não via. Mimava as netas inventando modas na máquina de costura. Sabia, como ninguém, alinhavar o carinho e a perfeição para ver rostinhos contentes. A luz ficava acesa até a madrugada, ao lado da copa em estilo retrô, branca com detalhes vermelhos, a cor preferida da pequena, revelada em suas primeiras escolhas: o vestido, a gasosa, o morango… e até o coração. Feita de paixão. E sem paixão não haveria graça.

Na mesa posta, a toalha bordada em ponto-cruz era a expressão do afeto, como o inesquecível lanche da tarde: bolo amor-em-pedaços com calda de laranja, acompanhado de achocolatado. Sabores de saudade.

Por fim, a personagem que borboleteia por essas linhas nostálgicas não imaginava que se lembraria, em tempos além, daqueles dias em que o sol demorava a se pôr, onde tudo acontecia tão sem querer, tão sem se perceber… Nem que sentiria de novo o cheiro da casa, do jardim, da comida… do colo.

Também não sabia que, ao tocar essas lembranças, elas poderiam virar história. História de quem viu o amor de perto.

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