
Com efeito, a sucessão, em sentido restrito, designa a transferência, total ou parcial, da herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros. Assim, a herança corresponde à totalidade do patrimônio do falecido (art. 1.791, caput, do Código Civil), abrangendo bens, direitos e dívidas. Até a partilha, é considerada uma universalidade de direito, distinta do patrimônio individual de cada herdeiro.
Todavia, em tempos de contemporaneidade e desmaterialização da propriedade — e, por consequência, do modo como se adquire e acumula patrimônio, cada vez mais baseado em bens imateriais —, ganha relevância o debate sobre a chamada herança digital. Trata-se do conjunto de bens, direitos e informações do falecido armazenados em ambiente virtual.
A herança digital apresenta múltiplas dimensões jurídicas. Destaca-se a dimensão patrimonial, que envolve ativos monetizáveis, como criptomoedas, milhas aéreas ou mesmo direitos autorais sobre publicações digitais. Já a dimensão extrapatrimonial diz respeito a dados pessoais e memórias digitais, tais como perfis e contas em redes sociais, mensagens privadas e fotografias. É indiscutível que os ativos digitais devam ser inventariados e transmitidos aos herdeiros; contudo, no tocante aos bens extrapatrimoniais, surgem relevantes debates jurídicos sobre direitos de personalidade e privacidade pós-morte.
Nesse contexto, empresas como Google e Facebook disponibilizam ferramentas que permitem aos usuários definir previamente o destino de suas contas e dados. Não obstante, tais instrumentos são pouco utilizados. Basta observar a recorrência de perfis de usuários já falecidos que permanecem ativos nas redes sociais, inclusive com notificações de aniversários. Realidade, além de curiosa, muitas vezes triste.
No âmbito legislativo, multiplicam-se no Congresso Nacional propostas de normatização da herança digital, a exemplo do PL 1.689/2021. Enquanto persiste a mora do legislador — e, na ausência de disposição testamentária ou de planejamento sucessório do autor da herança —, os Tribunais vêm enfrentando questões envolvendo o tema. Nesse sentido, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o direito de uma mãe de acessar o patrimônio digital de sua filha falecida (Ap. nº 1017379-58.2022.8.26.0068).
É inegável, portanto, a necessidade de aprimorar o debate em torno da herança digital, mostrando-se prudente sua inclusão em qualquer planejamento sucessório.
Leia outras colunas Direito e Justiça aqui.