Pouca gente lembra, mas o narrador Galvão Bueno já viveu em Curitiba. Em 1993 ele trocou a Rede Globo pela recém-criada CNT, projeto de rede nacional do empresário (e político) José Carlos Martinez. Contratado por um alforje de ouro, Galvão desembarcou aqui com a mulher e os quatro filhos, instalou-se em uma bela casa na região do Parque Barigui e pôs-se a narrar os jogos da Copa Libertadores da América pela CNT, então detentora exclusiva dos direitos da competição.
Um ano mais tarde, convencido por dois alforjes, Galvão aceitou oferta para voltar à Globo, de onde saiu há pouco tempo. É verdade que no caminho trocou o Rio de Janeiro por Londrina, casou de novo e enveredou pelas trilhas do empresariado agropastoril, ainda que siga participando de eventos esportivos com o patriotismo de sempre. Haja coração!
Pois foi em uma dessas jornadas que Galvão me salvou a vida. Em 2013 aceitei o desafio de tocar o projeto de um jornal em Boa Vista, Roraima. Eu já conhecia a região do tempo em que o Território Federal havia se tornado Estado, por conta da Constituição de 1988. Mais de vinte anos depois, encontrei outra capital no lugar daquela pequena cidade repleta de garimpeiros e aventureiros de todos os calibres – principalmente os mais pesados.
Na manhã de certo domingo, resolvi caminhar na direção do Rio Branco, que banha a cidade, para ver se encontrava o prédio do antigo hotel em que costumava me hospedar, apelidado ironicamente de Hanói Hilton, referência ao único abrigo aos estrangeiros na antiga capital do Vietnã do Norte durante a guerra.
De boné de grife, tênis Nike e a brancura secular de um curitibano, desci a Avenida Brasil na busca do velho edifício. Passei na frente, tomei à direita, voltei por outra rua e, de repente, me dei conta de estar em plena Favela do Beiral, a mais perigosa da cidade.
Ali naqueles caminhos de terra, sem arruamento, sucediam-se umas biroscas com a clientela tomando cerveja em pé, todos surpresos de ver o otário branquelo cruzar sua comunidade. Tanto fazia voltar como seguir em frente, eu estava no olho do furacão.
Foi quando surgiu Galvão Bueno, como se fosse Durango Kid. Ocorre que estávamos nas voltas finais de um Grande Prêmio de Fórmula 1, com Felipe Massa disputando as primeiras posições. A voz do narrador espalhava-se por toda a favela e atraía a atenção dos mal-encarados bebuns para os aparelhos de TV.
Tenso, subi uma ladeira em direção ao que parecia ser uma avenida asfaltada, me esgueirando entre a algazarra das crianças chutando bola e o latido dos cachorros, em meio a quem a euforia galvânica não fazia o menor sucesso. Já sem fôlego, eu mais que o locutor, enveredei pela avenida com a quinta marcha engatada, até me dar por salvo centenas de metros adiante.
Felipe Massa chegou em terceiro lugar, mas fiquei com a sensação de ter ouvido Galvão Bueno gritar “Ernani Buchmann, do Brasil”, tamanha a velocidade que o medo imprimiu às pálidas pernas que ainda hoje me sustentam.