Pular para o conteúdo
FERNANDA GHIGNONE CABECA HOJESC

A crononutrição pode transformar seu dia

Dormir bem começa muito antes de deitar. A forma como acordamos, o que comemos nas primeiras horas do dia e a maneira como conduzimos nossa rotina determinam boa parte do funcionamento hormonal, do metabolismo e até da forma como envelhecemos. Esse é o princípio da crononutrição, que investiga como o horário das refeições, a luz e o ritmo circadiano influenciam a saúde metabólica e o equilíbrio do organismo.

Nosso corpo funciona em um ritmo de 24 horas, alternando naturalmente entre momentos de atividade e de descanso. Esse ciclo é controlado por uma região do cérebro chamada núcleo supraquiasmático, no hipotálamo, que recebe informações da luz e orienta o organismo sobre quando está desperto ou em repouso. A partir desse comando, diferentes órgãos ajustam suas funções ao longo do dia, como a liberação de hormônios, a digestão e o gasto de energia. Quando essa coordenação é interrompida, por má alimentação, horários irregulares ou excesso de luz artificial, ocorre um desequilíbrio chamado cronodisrupção, que interfere no metabolismo, no apetite e no controle do peso.

O cortisol, por exemplo, tem seu pico nas primeiras horas do dia, ajudando o corpo a despertar. Tomar café logo ao acordar ou se expor imediatamente à luz azul das telas pode atrapalhar essa resposta natural, reduzindo a liberação fisiológica do hormônio. O ideal é aguardar cerca de uma hora antes da ingestão de cafeína e, nesse intervalo, expor-se à luz solar e hidratar-se. Esse simples hábito ajuda a sincronizar o relógio interno e estimula a produção matinal de serotonina, precursora da melatonina noturna.

À medida que o dia avança, o corpo ajusta a secreção de insulina e leptina, hormônios que controlam a fome e a saciedade. Refeições equilibradas e bem distribuídas durante o período diurno mantêm o metabolismo ativo e evitam oscilações bruscas de energia. À noite, o corpo naturalmente reduz a tolerância à glicose e desacelera o metabolismo, o que explica por que comer tarde favorece o acúmulo de gordura e prejudica o sono. Jantares leves, feitos até o início da noite, estimulam a produção de melatonina, hormônio que regula o ciclo do sono, e de GABA (ácido gama-aminobutírico), neurotransmissor que atua como um calmante natural do sistema nervoso, ajudando o corpo a relaxar e se preparar para o repouso.

Estudos recentes mostram que o ciclo circadiano também regula a atividade de genes ligados à digestão e ao aproveitamento dos nutrientes. No fígado, por exemplo, esses genes comandam enzimas que participam do metabolismo da glicose e dos lipídios. Assim, o horário da alimentação é capaz de alterar a expressão gênica e consequentemente, o funcionamento metabólico. Comer durante a fase ativa do dia, especialmente no período da manhã e início da tarde, favorece a oxidação dos carboidratos e melhora o controle glicêmico, enquanto o consumo noturno está associado à resistência à insulina e ao ganho de peso.

Com base nesse conhecimento, a crononutrição orienta como alinhar o que e quando comemos ao funcionamento natural do corpo. Isso envolve priorizar alimentos ricos em nutrientes e compostos bioativos durante o dia, evitar interromper o jejum da noite com lanches, reduzir a ingestão de ultraprocessados à noite e manter horários regulares para comer. Estratégias como a alimentação com restrição de tempo, em que a ingestão calórica se concentra em 8 a 10 horas diurnas, têm mostrado benefícios no controle do peso, na sensibilidade à insulina e na saúde cardiovascular.

Na prática, pequenas mudanças fazem diferença. Tomar sol pela manhã, evitar telas antes de dormir, manter horários regulares para as refeições e escolher alimentos leves no jantar são passos simples para transformar seu dia e noite de sono. Afinal, não é apenas o que comemos que nutre o organismo, é também quando comemos. E aprender a respeitar esse relógio interno é uma das estratégias mais eficazes para promover longevidade, equilíbrio metabólico e desempenho físico e mental ao longo da vida.

Leia mais colunas da Fernanda Ghignone aqui