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ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

Falsos endereços

Éramos quatro jovens irreverentes de 16 anos a caminho de São Paulo para um fim de semana automobilístico. Além de uma corrida em Interlagos que prometia fortes emoções, havia o Salão do Automóvel no Ibirapuera. Melhor ainda, estava em cartaz o filme Grand Prix, sobre a Fórmula 1, dirigido por John Frankenheimer, com Steve McQueen, grande elenco e música de Maurice Jarre.

O problema é que, à época, menor de idade não tinha carteira de identidade. Era preciso levar a certidão de nascimento até a Delegacia de Menores para que fosse emitida a necessária autorização de viagem.

Ficamos na fila, enquanto uma velha servidora de péssimo humor ia atendendo as solicitações já com as forças exauridas, aguardando a aposentadoria a cada minuto.

Fui o primeiro do grupo a ser atendido: ela examinou a certidão, copiou os nomes dos pais e perguntou onde eu morava. Nossa casa ficava na Rua General Daltro Filho, mas só consegui dizer “General…”. Um dos gaiatos completou: “Electric”.

Ela olhou por cima dos óculos remendados com esparadrapo e perguntou:

– Rua General Elétrico que número?

“133” me apressei em completar, segurando o riso.

Assim embarquei para São Paulo com aquele endereço falso na autorização, em nenhum momento exigida durante a viagem.

Anos mais tarde, com dois casais amigos, alugamos apartamento em Balneário Camboriú para o carnaval. Magno Dias entrou no mar e ficou fazendo sinais com a sunga na mão, lá do fundo, como se fosse um sinaleiro de aeroporto. Dois policiais camuflados de surfistas, ou seja, de prancha e bermudas, trataram de prendê-lo por atentado ao pudor. Na delegacia a história se repetiu. “Nome e endereço”, exigiram aos berros.

– Vinicius Guimarães Rosa, Rua Álvares de Azevedo…
– Rua Alves de Azevedo, número?
– 20.

Na rua do poeta da Lira dos 20 anos o endereço só poderia ser aquele. Foi liberado, com a exigência de se comportar dentro da sunga.

Também adotei, sem ser exigido por polícia de qualquer instância, a estratégia de inventar endereço em certas situações não oficiais. Para atendentes ou vendedores inoportunos evito o longo nome da minha rua, não mais General, mas Deputado.

Abrevio para Rua da Paz, 8. É curto e me traz a certeza de que não serei encontrado – tardia, mas saborosa vingança.

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