No tempo em que o futebol andava de trem – título de um livro que escrevi – as companhias ferroviárias usavam um argumento definitivo: contratavam atletas ou treinadores com a missão de desempenhar no gramado em troca de emprego na ferrovia.
Em Curitiba o Clube Atlético Ferroviário beneficiou-se da prática até 1965, quando contratou, junto ao Internacional de Porto Alegre, o atacante Paulo Vecchio, o último a aliar seu salário de jogador aos vencimentos de funcionário da Rede Ferroviária Federal, empresa estatal responsável pelos trilhos nacionais.
A partir de 1964, com o governo militar, a RFFSA, profundamente deficitária, passou por um processo de enxugamento que a levou à extinção décadas mais tarde. Seu patrimônio, com o Estádio Durival Britto e Silva incluído, foi incorporado à União – atualmente, grande parte dos imóveis e dos trilhos está cedido em concessão ou já vendido.
Pois na época em que o futebol andava de trem, o Ferroviário de Wenceslau Braz era uma força nos torneios amadores do trecho entre Jaguariaíva e Jacarezinho, chamado pelo povo de ramal da fome. Arapoti, Tomazina, Siqueira Campos, Joaquim Távora, Santo Antônio da Platina, entre outros, alinhavam seus times em disputas fumegantes, a bem dizer.
Deu-se então que o Ferroviário de Wenceslau precisou de um novo treinador. Sabe-se lá por artes de quem, foi trazido do Rio de Janeiro um ex-jogador do Madureira. Muito simpático, assinou satisfeito a papelada de escrevente da Rede e passou a fazer o que sabia: treinar o time.
Meses mais tarde chegou à cidade um inspetor da companhia. Gastou bom tempo entre a papelada financeira e a burocrática, até dar com o cartão-ponto em branco do treineiro do Ferroviário. Mandou chamá-lo.
– Como o senhor me explica esse cartão em branco? O senhor não trabalha aqui?
– Trabalhar eu trabalho. No campo.
Sem entender a que campo se referia o escrevente, deduziu:
– O senhor não tem nada que trabalhar no campo, isso é para guarda-trilhos. O senhor é escrevente!
– Trabalho no campo de futebol.
– Lá não tem trilhos, o senhor precisa é se apresentar aqui, como escrevente que é.
– Bem, até posso ser escrevente, o pobrema é que sou anarfabeto!