Não pense, leitor, que vou discorrer sobre o filme Tubarão, aquele terror cinematográfico de Steven Spielberg que se tornou um dos maiores blockbusters da história do cinema. Também não vou falar sobre bagres e as artes de destripá-los, com a amputação das guelras.
O assunto é sobre outro desses pequenos acessórios de vestuário, as barbatanas de colarinho.
Há uns 40 anos tive um cliente em Brusque, uma fábrica de jeans da qual José Ângelo Voltolini era diretor. A cada mês discutíamos o cenário econômico, os índices de crescimento do setor, as estratégias a adotar. E de vez em quando eu pedia algumas barbatanas para os colarinhos que me via obrigado a envergtar.
Até que um dia, encerramos nossa parceria. Antes de ir embora, perguntei se não haveria mais algumas barbatanas para as minhas camisas. Como a fábrica estava à beira do fechamento, Voltolini me presenteou com uma centena delas.
Pois bem, semana passada, ao buscar mais um par para endireitar o colarinho, resolvi contá-las. Ainda restam em torno de 40. Algumas são grandes, exigem que eu as mutile, cortando um pedaço em V para ficarem de acordo.
Se a faxineira não pensar que aquelas de ponta quebrada são para jogar no lixo, ainda terei barbatanas para a encarnação seguinte. Faz sentido: se em 40 anos consumi 60 barbatanas, as 40 restantes vão durar outras décadas.
Enfim, entendo as críticas por esta crônica inútil, que deverá ser objeto de risos e muxoxos em ateliês de costuras e cerzidos: “Esse sujeito”, vão dizer, “já se meteu com botões, agora vem com barbatanas. Vai ver é costureiro”.
Não tenho tais habilidades, mas causa-me profunda decepção quem anda por aí com o colarinho virado para cima, duas pequenas asas como se o portador fosse alçar voo.
É apenas uma questão de respeito às regras da elegância, mas me parece fundamental. Sim, sei que existem coisas muito mais fundamentais, e eu deveria abordá-las aqui. O problema é que hoje não notei a falta de barbatanas na camisa até olhar o espelho do elevador, e me ver com as abas flanando, saltitantes de alegria pela liberdade conquistada.
E isso passou a ser questão fundamental no meu dia.