Já contei alguns desses episódios. São frutos de falta de coordenação motora, ansiedade ou pânico, sabe-se lá. Meu avô Ernani me tomava por estabanado, o que se espalhou pela família. Sou um Mr. Bean piorado, alinhando vexames diversos ao longo desta vida errada, com ênfase em aviões.
Fui capaz de deixar cair um daqueles celulares mastodônticos no braço de um passageiro que ostentava um Rolex de ouro. Bingo, o telefone quebrou o vidro do relógio do homem. Em outro voo, coloquei meu paletó de lã no gavetão e me pus a ler jornal. Notei que pingava água nas páginas. Ao averiguar o problema, vi que o gavetão estava inundado – o ar-condicionado estava vazando. Desci em Curitiba com dois graus de temperatura, andando em mangas de camisa com o paletó encharcado na mão.
Fiz pior. Em outro voo, ao colocar minha pasta no gavetão, não vi que a gravata havia ficado presa na fechadura da maleta. Bati o gavetão e me vi enforcado pela gravata. Os passageiros explodiram de rir. Quase explodi de vergonha.
Os gavetões me perseguem. Em um voo de Aruba a Curaçao, bati o gavetão sem notar que havia um passageiro de São Paulo tentando colocar ali suas malas. Tomou uma pancada no cocuruto. Pedi desculpas, claro. Em Curaçao, tirei a mala e fechei o gavetão. Foi o bastante para o sujeito gritar: “De novo, não!!!”
Mas nada supera o que aconteceu no aeroporto de Brasília, em época pré-fingers. A Transbrasil tinha um voo para São Paulo às 11 da manhã. Nas sextas-feiras era servida feijoada, acompanhada de caipirinhas e cerveja. Sim, isso era possível nos anos 1980. O voo era o preferido dos políticos.
No alto da escada, enquanto aguardava para entrar no avião, resolvi olhar para ver quem vinha atrás – uma das pessoas era a atriz Bete Mendes, então deputada federal por São Paulo. Então senti que meu pé falseou. No anteparo de borracha entre a escada e o avião havia um buraco. Por ali o pé enfiou-se e nada de sair. Todo mundo foi obrigado a descer a escada de ré para que ela fosse puxada e liberasse o pé do desastrado passageiro.
Morto de vergonha, sentei na última fila, já que não havia lugares marcados. Me escondi atrás de um jornal, disposto a tomar um porre de caipirinha. A certa altura um tripulante veio me pedir desculpas. Haviam errado no cálculo passageiros x almoço. Faltou uma feijoada, a minha. Nem caipirinha tinha sobrado.
Até hoje desconfio ter sido vingança da tripulação.
