Após momentos conturbados, acarretando na saída de Ian Gillan (vocal) e Roger Glover (baixo), em 1973, o Deep Purple, permaneceu com Ian Paice (bateria), Jon Lord (teclados) e Ritchie Blackmore (guitarra) e recrutou Glenn Hughes (baixo), vindo do Trapeze e o desconhecido David Coverdale (vocal) para para integrar uma das formações mais arrasadoras da banda. Seu sétimo álbum, Burn, o primeiro com essa formação, foi um primor. Produzido pela própria banda, mostrou como se faz um hard rock com muita pegada blues e grooves extraordinários.
Burn, a faixa-título, abre o álbum com um riff poderoso de Ritchie Blackmore, combinado com os teclados densos de Jon Lord e a batida implacável de Ian Paice. A letra fala sobre destruição e renascimento, temática adequada para a nova formação. A voz de Coverdale é rouca e poderosa, enquanto Hughes complementa com seus agudos característicos nos backing vocals. O solo de Blackmore é frenético, e a interação entre guitarra e teclado é clássica do Purple. Uma das melhores aberturas de álbum da história.
Might Just Take Your Life é uma canção mais acessível, com um riff marcante e um groove arrasador. O teclado de Lord domina a mixagem, dando um ar bluesy e soul. Coverdale entrega uma performance vocal emocionante enquanto a seção rítmica, Paice e Hughes, mantém a cadência irresistível. O refrão é inigualável, e o solo de Blackmore é curto, porém eficaz.
Lay Down, Stay Down é uma das faixas mais pesadas do álbum, com um riff acelerado e uma bateria agressiva de Ian Paice. A letra tem um tom de desafio e rebeldia. Hughes assume os vocais em algumas partes, adicionando um contraste interessante com Coverdale. O destaque fica para a ponte instrumental, onde Blackmore e Lord duelam em um dos melhores momentos do álbum.
Sail Away é uma balada que mostra o lado mais melódico da nova formação. O riff de Blackmore é limpo e transparente, enquanto Coverdale canta com um tom mais suave. A letra traz imagens de fuga e liberdade. Aos poucos, a canção ganha intensidade, com Lord adicionando camadas de teclados e Hughes entrando com vocais de apoio. O solo de guitarra é incrível e bem construído. Uma faixa subestimada, mas essencial para o equilíbrio do álbum.
You Fool No One é um blues-rock acelerado com um groove funk influenciado por Glenn Hughes. A bateria de Paice é incrivelmente precisa, e a linha de baixo de Hughes é marcante. A letra trata de traição e desilusão. A parte instrumental é extensa, com improvisações de Blackmore e Lord, mostrando a química ao vivo da banda. Nos shows, essa música costumava ser estendida com solos intermináveis. Uma das faixas mais dinâmicas do álbum.
What’s Goin’ On Here é uma canção mais descontraída, com um riff boogie e um clima de pub rock. A dupla Coverdale/Hughes brilha nos vocais, quase como uma disputa soul. O teclado de Lord tem um papel central, lembrando bandas como The Faces. A letra é simples, falando de confusão e desentendimentos. Não é a mais complexa do álbum, mas é divertida e mostra o lado mais solto da banda.
Uma das grandes baladas da banda, Mistreated, é um marco na carreira de David Coverdale. O riff pesado e lento de Blackmore cria uma atmosfera melancólica, enquanto Coverdale entrega uma performance vocal arrebatadora, cheia de dor e soul. A letra fala sobre solidão e abandono. O solo de Blackmore é longo e expressivo, um dos melhores de sua carreira. Essa canção foi tocada ao vivo por anos, tanto pelo Purple quanto pela banda posterior de Coverdale, o Whitesnake.
“A” 200 é uma faixa instrumental que fecha o álbum com um estilo quase progressivo. O teclado de Lord domina, com um ar quase sinfônico, enquanto Blackmore explora escalas menos convencionais. A bateria de Paice é técnica e complexa. Não tem a mesma pegada das outras faixas, mas mostra a habilidade da banda em criar composições elaboradas. Um final intrigante para um álbum espetacular.
Burn é um álbum crucial na história do Deep Purple, mostrando uma banda em renovação, absorvendo novas influências sem perder sua essência hard rock. A entrada de Coverdale e Hughes trouxe uma pegada soul e funk, enquanto Blackmore, Lord e Paice mantiveram a base pesada e técnica. Um dos melhores álbuns de hard rock setentista. Um verdadeiro álbum de rock’n’roll. Do bom e velho rock’n’roll.
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