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ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

Da arte de lustrar sofás

Quem vive na aba dos governos, qualquer que seja a instância, acostuma-se com o tempo perdido nas antessalas do poder.  Ali o cafezinho é morno e fraco, ao contrário da sala do chefe, em que é servido fumegante, bem passado, com um copo de água mineral a acompanhá-lo.

Os sofás das salas de espera estão sempre um pouco puídos, o veludo desgastado a exigir urgente reforma. São anos suportando os traseiros daqueles que vão em busca de alguma benesse, seja emprego, patrocínio ou um favor qualquer. Existem pessoas tão experientes neste mister que portam o gracioso apelido de bunda de veludo.

Lá nos anos 1970, a Panorama, tradicional revista mensal de Curitiba, sustentada pelas verbas oficiais graças à resistência do seu dono, José Curi, mestre na arte de lustrar sofás, contratou o jornalista Fábio Campana para dirigir a redação. Fábio passou a chamar os amigos para colaborarem – estive entre eles – e o jornalista Benedito Pires para lhe assessorar. Os dois estavam vetados na grande imprensa pela militância política, já que vigorava o chamado regime fardado.

Eis que em certo início de mês sai da gráfica uma nova edição da revista, trazendo uma bombástica matéria de capa com o título: Instituto de Assistência ao Menor, uma vergonha. O IAM era dirigido pela primeira-dama do estado, a propósito.

Houve indignação no Palácio Iguaçu. Que petulância era aquela, o que estaria por trás de tamanha e gratuita agressão? Curi foi chamado ao palácio em caráter urgente, única vez em que não precisou lustrar sofá. Em poucas palavras foi comunicado que todas as suas verbas estavam cortadas. As da administração direta, as da Copel e Sanepar, as da Assembleia Legislativa e as que mais houvesse.

Restou a ele alegar não ter visto a revista antes da impressão, tratava-se de mal-entendido, ele iria resolver o problema naquele momento. Na redação, demitiu os dois subversivos, mandou recolher os exemplares e redigiu ele mesmo uma nova reportagem.

Ao cabo de uma semana, a Panorama saiu toda garbosa, com a edição trazendo o mesmo número da anterior, ilustrada por uma foto de jovens compenetrados e o título: Instituto de Assistência ao Menor, a difícil arte de ensinar.

Difícil, na acepção da palavra, foi reconstruir todas as pontes para voltar ao direito de receber as verbas que lhe sustentavam e à revista. Mas nada que um homem experiente na arte de lustrar sofás, um velho bunda de veludo, não fosse capaz de resolver.

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