Voltaste, Inverno danado. Como todos os anos, vamos sentir na carne a tua inclemência. Espirros, tosses, febres, mal vindas sejam. Vais fazer as salas de espera dos hospitais especializados lotarem: todo mundo de máscara, os olhos injetados a denunciar o sofrimento dos pobres cidadãos indefesos.
Os ingleses disseram que as tropas de Napoleão foram derrotadas na Rússia pelo seu filho dileto, o General Inverno – o mais rigoroso dos generais. A história se repetiu 130 anos mais tarde, quando foi responsável por aniquilar as forças de Hitler.
Neste hemisfério sul, os franceses e alemães pouco informados que se radicaram por aqui provaram, como seus conterrâneos soldados, das tuas malvadezas, velho desumano. Não bastassem as temperaturas abaixo da linha de sobrevivência, sentiram os ventos que sopras na moleira dos curitibanos. Posso garantir que à noite sobem pela João Negrão, para atropelar os incautos na esquina da Rua XV.
É de rigor (rigor é o caso) confessar que sentimos na pele certa diminuição dos teus ímpetos. Nos últimos anos andas meia-boca, soprando com alguma condescendência. Teu hálito gelado anda amornando, o que me permite aconselhar: Inverno dos demônios, talvez estejas com febre.
Sim, a febre que teu irmão Verão costuma exibir durante os períodos de fim e começo de ano, invadindo ultimamente os territórios dos outros dois, o casal Outono e Primavera.
Do jeito que a coisa vai, em pouco tempo serás banido das Estações. É bom ficar atento, procurar um médico, curar essa hipertermia para voltar os maus tempos de antanho.
Mas, em nome dos dois milhões de pessoas que habitam esta cratera espraiada pela região metropolitana da capital, faço-te um apelo do fundo do pulmão. Vê se diminui também a força dos teus ventos, aplaques a velocidade desmedida, que isso não é corrida de Fórmula 1.
Se possível, veja também se podes nos brindar com um dia de neve. Talvez não lembres, mas está fazendo 50 anos que tivemos aquele dia de glória, com todo mundo na rua fazendo guerra de bolas de neve. E saudando o Natal, porque o povo misturou os hemisférios.
Pense nisso, velho desalmado. É coisa pouca o que pedimos. Seja razoável e não esqueça do cachecol.