Ontem, passando por uma loja de roupas para ballet em um shopping, Louise (minha filha) e eu paramos estarrecidas diante da imagem de um “tutu de ballet” preto, disponível para venda!!! Isso sempre foi uma coisa inimaginável, poder ter um tutu sem ser bailarina e sem que fosse feito pelas maravilhosas mãos das costureiras do Teatro Guaíra!
Quando muito pequena, ainda morando no Rio de Janeiro, entrei para uma escola de ballet. Devia ter uns quatro ou cinco anos e logo percebi que meu corpo não iria se adaptar a exigências tamanhas, o que de maneira nenhuma me afastou da paixão por essa arte. Ainda no Rio, assistia na TV os ballets de Margot Fonteyn e a peça infantil da menina que calçou as sapatilhas proibidas e não conseguia mais parar de dançar.
Com minhas filhas, Adriana e Louise vivi muito o trabalho, esforço, dedicação, alegrias e beleza nas técnicas do ballet clássico. Quando meninas, frequentaram as escolas aqui de Curitiba: de Dora de Paula Soares, o Studio D¹ e o Petit Ballet, de Rita de Cássia Monte Correia e seu marido Luiz. Levadas pelas duas escolas, e mais tarde, Adriana, no Projeto Pré-Profissional da Escola do Teatro Guaíra, foram inúmeras apresentações, figurinos diversos e tutus coloridos que passaram por nossas vidas. A Louise, desde bem cedo, usando em casa os tutus que pegava escondido da irmã mais velha, passava os dias vestida de bailarina e, assim vestida, ia brincar com os cachorros, cães dinamarqueses, que criávamos na época e que eram sua paixão (paixão que, aliás, continua até hoje). Louise logo percebeu que seus pés não tinham sido feitos para as cruéis, mas encantadoras, sapatilhas de ponta e lá se foi o ballet.
Decidida a ser bailarina, Adriana, aos 18 anos, foi para a França estudar em Cannes-Mougins no PNSD (Polo Nacional Superior de Dança Rosella Hightower), quando descobriu que as meninas de treze e quatorze anos, de mais de quinze nacionalidades diferentes, que ali já estavam, eram maravilhosas, com pés e corpos perfeitos para o ballet. Entendendo que, sem o “physique du rôle” não teria a oportunidade de ser uma bailarina “da primeira fila”, mesmo tendo técnica e sendo muito expressiva, abandonou a escola. Continuou na França e foi trabalhar como “au pair”, cuidando do menino, Pierre, de cinco anos. Na oportunidade, estudou francês e, em sua volta a Curitiba, tornou-se professora da Aliança Francesa.
Bem mais tarde, Louise e eu, insistindo no assunto, fomos fazer aulas de dança na Escola de Dança Flamenca de Carmem Romero – coisa apaixonante! Chegamos a pisar no palco do Guairão, imaginem só! Louise, charmosa, dançando com as lindas saias e sapatos com metalzinho na ponta e eu, que tive que me conformar em tocar castanholas, já que dançar, conforme já se havia confirmado, não era uma possibilidade.
De qualquer modo, o ballet continuou a fazer parte da minha vida, por meio da escultura. Quando da mostra “In Natura” criei a obra “Kaciana” (homenagem ao escultor Brasileiro Eduardo Kac). Uma árvore de seis metros de altura e cinco de diâmetro em aço enferrujado, cortado a laser, com grandes laços cor de rosa nas pontas – uma menção à “Bailarina de 12 anos” do artista francês, Edgard Degas. Nessa mostra, que aconteceu nos jardins do MON, em 2007, e no Parque das Cataratas do Iguaçu, em 2008, uma pequena bailarina passeava por entre as demais esculturas puxando um coelhinho verde de pelúcia (parte da homenagem a Kac, com seu coelho fosforescente “Albagreen”). Vestia um traje, este sim, feito pela Neca, costureira do Teatro Guaira, conforme o modelo que se vê na escultura criada por Degas. A jovem atriz, com longos cabelos trançados e um lindo laço cor de rosa na ponta, era presença diária nos jardins do Museu Oscar Niemeyer e nas Cataratas.
De todas as nossas aventuras pelo mundo da dança, ficou a sua música, para sempre gravada em nossas almas, e o amor, que nos tornou excelente plateia. Mas, sobretudo, a magia que acontece no espírito quando ouvimos as melodias dos compositores dos inúmeros clássicos do ballet como o “Lago do Cisne”, de Tchaikovski (1840-1893); Coppélia (1870), de Delibes; Paquita (1846), de Deldevez e Minkus (esse um ballet que Adriana dançou na sua conclusão de curso no Petit Ballet; Petruska (1910-11), de Stravinski, entre tantos outros. Fico ainda devendo a história de outras aventuras de nossa viagem à Nova York, para um curso na Alvin Ailey.
De volta à vitrine do shopping, onde, quem sabe, a gente ainda volte para comprar aquele “tutu” preto para sair dançando, sozinhas, pela casa, ao som das valsas de Chopin. Na vida, há coisas que são as mais preciosas, únicas e totalmente pessoais, como os sonhos, a imaginação e o encantamento que as artes proporcionam e que, só a cada um de nós, bem no fundo da alma, são permitidas: todas as loucuras, toda a magia e toda a alegria do mundo!
(Foto de abertura:”Dançata”-1991- Primeiro lugar na categoria no Festival de Joinville – Projeto pré-profissional Teatro Guaira – Coreografia Carla Reinecke – Bailarinas da esquerda para a direita: Adriana Dias Titton, Sabrina Mendes, Patricia Otto)