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ELIZABETH TITTON CABECA hojesc

Ausência

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“Do nada a mamãe me disse: o Nono morreu! (Ela estava ao telefone e esse comentário lhe saiu como que num susto) eu pensei que era brincadeira”. Isso me contou o Pedro, ao chegar a Curitiba com seus pais, para participar das celebrações por ocasião da morte do avô (Nono). E foi assim, com esse assunto, que passamos o dia do velório do Nono, filosofando com ele, sobre a vida, a família, corpo e alma e a morte.

Enquanto indecisos sobre se ele, aos seis anos, deveria comparecer à cerimônia fúnebre – o que acabou não acontecendo – as perguntas da criança iam se sucedendo. Ao tentar explicar que, na sala do velório, seria só o corpo vazio do Nono que estaria presente para a despedida dos familiares e amigos, já que sua alma, o seu ser já tinha ido para o céu, fomos surpreendidas (Manu, a mãe, e eu) pela pergunta: “Com pele? Com barba?” Ao que, sem entender bem, respondemos que sim. Fico imaginando o que teria passado por sua cabeça! Ao saber que não iria ver o Nono “de olhos fechados”, pediu, então, ao pai, se ele poderia tirar uma foto e, depois da confirmação, acabou mudando de assunto, como fazem as crianças.

Após minha falida explicação da morte, pensei em retomar o assunto, mais tarde, usando o texto de Saint Exupéry, no “Pequeno Príncipe”, quando o pequeno personagem conta ao aviador que iria voltar para o seu planeta, por ser responsável pela flor que tinha deixado sob a redoma, ao decidir que precisava conhecer outros planetas: “O que é importante a gente não vê…Será como a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é doce, de noite, olhar o céu. Tôdas as estrelas estão floridas” (…) “Tu compreendes. É longe demais. Não posso carregar êsse corpo. É muito pesado”. (…) “Mas será como uma velha casca abandonada. Uma casca de árvore não é triste”. Mas, acabei desistindo, resolvi deixar o tempo passar. As crianças não precisam de tantas explicações, um dia ele mesmo vai ler o livro e, quem sabe, lembrar.

Outras obras, como “Ondas à Procura do Mar”, de Pierre Weil, seriam ótimas fontes de explicação, mas aqui, eu não queria falar sobre a morte em si, e sim sobre a ausência, sentimento que, subitamente, brotou em mim na ocasião. “Do nada”, como disse o Pedro, fui assaltada pela percepção de que nunca mais poria os olhos sobre aquela pessoa, com quem eu havia me casado e vivido por 23 anos e de quem estava separada há mais de trinta. Nunca mais é muito diferente de ficar anos sem se ver. É definitivo! Irrecuperável! Pensei na imensa dor dos meus filhos, que como eu, tantas vezes, sinto vontade de contar aos meus próprios pais, já falecidos, coisas singelas, como as peripécias do Pedro, e que a ausência não permite!

Não há como negar a ausência, o “buraco” que vai ficar onde antes existia o João Alceu, ou o Dr. Titton como era conhecido publicamente. O que me faz pensar em nossa finitude. O quanto “do pó viemos e ao pó voltaremos”. Imaginei sermos como um livro, que conta alguma história, com começo, meio e fim. Cabe a cada um contar a sua história, boa, ruim, alegre, triste ou inspiradora. João Alceu Titton, o Nono, homem íntegro, deixou escrita a sua, que marcou muitas vidas e nos deixou, como diz Chico Buarque, “no tempo da delicadeza”. Ao Pedro restará ouvir sobre ele, pela boca dos que com ele conviveram e partilharam caminhos, sob o olhar e ponto de vista de cada um, como esse pequeno poema encaminhado por um amigo:

“Há pessoas que vão e não voltam.
E nesta não volta, nesta caminhada
Até o infinito
há sombras que ficam para sempre
E pegadas que nos guiam.
Uma aprendizagem que
na ausência cria significado
e hoje é um e, amanhã outro.
Um sem fim de perguntas e respostas
quais ondas infinitas
que se unem num horizonte longínquo
proporcionando cor e música e
sentido, que fica para sempre
nos nossos ouvidos, nos nossos
sentidos e no nosso coração.
Há viagens que não têm volta.

(“Viagem” – do blog “Coisas da Vida” – 28/05/2018 – publicado por SUM)

(Ilustração de abertura: “Casa Titton” (detalhe). Imagem de arquivo.)

Leia outras colunas da Elizabeth Titton aqui.