Antonio Fagundes e Christiane Torloni trabalharam juntos pela primeira vez há 43 anos, na série Amizade Colorida (1981) e, em seguida, na novela Louco Amor, ambas da TV Globo. Também participaram de filmes como Besame Mucho (1987). Mas nunca atuaram no teatro juntos. “Nossas agendas de gravação não batiam”, conta o ator, que vai dividir o palco pela primeira vez com Christiane na peça Dois de Nós, que estreia dia 5 de setembro, no Teatro Tuca, em São Paulo.
Com dramaturgia de Gustavo Pinheiro, o espetáculo traz dois casais de gerações diferentes que se encontram em um quarto de hotel. “Contar mais seria estragar a surpresa”, brinca Fagundes, que faz com Christiane o casal mais experiente – o outro é formado por Alexandra Martins e Thiago Fragoso. Com direção de José Possi Neto, Dois de Nós é produzido por Fagundes e Alexandra, casal na vida e na arte, sem o uso de leis de incentivo, como se tornou rotina em suas produções. O objetivo é alcançar o mesmo sucesso da peça anterior, Baixa Terapia, que estreou em 2017 e ficou cinco anos em cartaz (parando só durante a pandemia) em cidades do Brasil, Portugal e Estados Unidos, atraindo cerca de 500 mil espectadores.
Aos 75 anos, Fagundes divide sua carreira entre o teatro e o cinema, desde que deixou a Globo em 2021. Não descarta trabalhos na televisão, mas impõe uma série de condições que impede a telinha de ser a prioridade em sua carreira, iniciada em 1965 com a peça A Ceia dos Cardeais. Apesar de ter se tornado conhecido quando começou a fazer novelas (Antonio Maria, de 1968, foi a primeira), o palco sempre foi sua prioridade. “Teatro é minha vida”, diz ele, em entrevista ao Estadão.
A peça ‘Dois de Nós’ mostra o encontro de dois casais de idades distintas, certo?
Sim, mas, para não estragar a surpresa do público, só contamos que o encontro acontece em um quarto de hotel. Para avançar um pouco mais, dizemos que o autor (Gustavo Pinheiro) foi influenciado por um texto que estava traduzindo, Três Mulheres Altas, de Edward Albee. Quem conhece essa peça, vai entender. Mas a dramaturgia do Gustavo é impecável, uma comédia deliciosa, com cenas de muita emoção. Ele aprofunda o que no texto do Albee é só conceitual.
Fazia tempo que você não fazia um texto de autor nacional, não?
O último foi escrito por mim mesmo, Sete Minutos, em 2002. E encenei no antigo Cultura Artística, quando o palco era enorme. Não foi intencional esse longo período. No Brasil, não há tradição de se publicar texto de teatro, então, se você não tem uma aproximação com alguns autores, dificilmente descobre algo novo. Uma pena porque sempre leio muita dramaturgia. Quando estreio um espetáculo, já começo a pesquisa do que vai ser o próximo. Faço isso há 58 anos e não pretendo parar. E agora o Gustavo escreveu Dois de Nós pensando em mim e na Alexandra, pois não queria fazer um casal convencional.
Como separa as escolhas para o cinema e para o teatro?
Meu problema na produção de cinema é que trabalho sem patrocínio, assim como no teatro. É muito triste ver colegas esperando cinco anos para captar dinheiro para fazer um filme. Em cinco anos, o roteiro pode ter envelhecido. E tenho colegas que ficaram cinco anos captando e outros três esperando para estrear. Então, leva-se uma vida para se produzir um filme. Não tem sentido. Meu projeto ao me colocar no mercado é o de fazer vários filmes por ano. Só não consigo fazer isso agora porque o grande gargalo do cinema brasileiro são a exibição e a distribuição. A gente se concentra na produção, na qual são aplicados todos os patrocínios, mas não se preocupa com a veiculação.
Na sua primeira produção cinematográfica, ‘Contra a Parede’, de 2018, você vive o âncora de um telejornal que media o debate entre dois candidatos à presidência. Os temas continuam atuais, não?
Vão continuar assim pelo resto da vida, infelizmente, porque o filme trata de corrupção, das jogadas por trás das candidaturas e também do papel da imprensa. Temos que fortalecer a imprensa hoje em dia, especialmente a escrita. A internet é um veículo maravilhoso porque é rápido, mas é essa também a sua fraqueza. As pessoas, em geral, só leem o cabeçalho da notícia. Está errado, tem que aprofundar. E quem ainda faz isso, na minha opinião, é o jornal tradicional. Você folheia as páginas e descobre assuntos que nem pensou que ia ler. A internet, não. Você busca a notícia que quer ler. Com isso, você acaba enfraquecendo a força da imprensa.
Como figura pública, como você se relaciona com a política? Há muitos anos, você ajudou a divulgar o PT.
Qualquer coisa que alguém faz tem um resultado político. A política partidária não me interessa mais. Cheguei a fazer, eu anunciei o Fome Zero. Então tenho aí, digamos, uma responsabilidade com isso. Mas percebi que essa força que eu tinha para eleger, eu não tinha para tirar. Então percebi que não vale a pena fazer política partidária que, para mim, é igual a ser torcedor de futebol. Ele não gosta de futebol, mas sim de torcer. Mesmo o time jogando mal, ele continua torcendo. Na política, quando se consegue manter uma distância, sem polarizar, é possível distinguir os atos bons dos ruins de quem está realmente pensando no bem-estar geral da nação.
Seu contrato com a Globo terminou em 2021. Foi tranquilo?
Foi. E só não renovamos porque a emissora queria excluir uma cláusula que constou nos contratos anteriores na qual eu só participaria de gravações nos dias em que estivesse de folga do teatro, ou seja, segunda, terça e quarta. Nem chegamos a falar sobre salário. Respondi que não. Teatro é a minha vida, só consegui fazer as peças que fiz por causa desse acordo. Então, a saída não foi tão dolorosa em termos de mudança radical de trabalho. Na verdade, agora tenho mais tempo para fazer cinema.
Mas você tem saudade de trabalhar na televisão?
Não. Televisão é muito desgastante, muito estressante. Você fica à disposição durante oito, dez horas por dia. É um trabalho física e intelectualmente difícil porque é preciso decorar algo como duzentas páginas por semana. É como decorar todo o texto da Bíblia a cada dois meses. E olha que não tenho problema para decorar texto…
Você trabalhou com grandes autores de telenovelas.
Tive muita sorte. Fiz novelas de Gilberto Braga, Benedito Rui Barbosa, Aguinaldo Silva, Silvio de Abreu, Cassiano Gabus Mendes, Ivani Ribeiro, Dias Gomes, Walter George Durst e outros que estou esquecendo agora. Autores de novelas icônicas, que não prejudicaram minha vida no teatro. Posso dizer que aproveitei o melhor da televisão.
E a televisão atual?
Com a televisão que está sendo feita agora, eu realmente pensaria um milhão de vezes antes de aceitar qualquer convite. Está complicado porque atualmente se grava muito mais para fazer a mesma coisa. A carga horária é muito maior, as condições são piores das que eu tinha. A tecnologia evoluiu, mas o tempo que se gasta para usar essa tecnologia é muito maior.
A dramaturgia também mudou?
Sim. Antigamente, uma novela tinha entre 30 e 40 cenas por capítulo. Hoje, são gravadas 120, 150 cenas para um único capítulo. É pior porque as cenas são mais curtas e se consome o mesmo tempo para gravar uma cena sem nenhuma fala e uma com 18 páginas de texto. Só que, com uma cena com 18 páginas, só se tem meio capítulo gravado.
Mas o público atual não está mais acostumado a ver cenas mais rápidas e curtas?
Eu duvido. Acredito que, se os autores hoje tivessem coragem de enfrentar essa mística de que tem que ter uma rapidez, eles iriam se surpreender. Acontece que, para uma cena conter 18 páginas, ela tem que ser boa, com um texto brilhante. E tínhamos textos brilhantes. Por exemplo, em um capítulo escrito pelo Manoel Carlos, havia cenas com 10 páginas de diálogos e o público não desligava daquilo de jeito nenhum. O texto era muito bonito, muito importante, tinha conflitos, era bem ordenado. Não estou dizendo que os autores que escrevem agora não tenham esse talento, mas eles não estão exercitando. E vão ter problema quando quiserem voltar.
A Globo já anunciou um remake de ‘Vale Tudo’ para o próximo ano. O pensa sobre isso?
Qualquer remake tem que ter um sentido. Por exemplo, Renascer: foi uma novela icônica. Uma novela que deu certo. Refazê-la, para mim, é como refazer Psicose, do Hitchcock. Você corre um grave risco de errar. E, mesmo se acerta, será sempre comparada com uma obra icônica.
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(Foto: Divulgação)