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ARTIGO

Albânia aposta em IA contra corrupção: inovação ou ilusão?

diella albania

Por Luciana Kuminek (*)

Uma ministra que não fala, não vota e não responde a perguntas do parlamento. Na Albânia, esse cenário já não é ficção científica. Chama-se Diella, um sistema de inteligência artificial que acaba de ser apresentado como responsável pelas compras públicas do país. A promessa é ousada, acabar de vez com a corrupção em licitações. Mas por trás do brilho tecnológico, surge uma questão inquietante: quem, afinal, governa quando uma máquina ocupa o lugar de um ministro?

Diella começou como assistente virtual na plataforma governamental eAlbania, ajudando cidadãos a acessar serviços digitais. Recentemente, porém, o primeiro-ministro albanês elevou sua função, apresentando o sistema como uma autoridade de nível ministerial para gerir licitações e contratos públicos. Esse gesto desloca a discussão do campo “tecnologia como ferramenta” para “tecnologia como ator político”.

A promessa é eficiência: processos de compras mais rápidos, padronizados e com menor margem para interferência humana. O sistema é apresentado como um escudo contra favorecimentos e subornos. Para um país candidato à União Europeia, adotar IA nesse nível sinaliza inovação e alinhamento com padrões internacionais.

Mas isso levanta uma série de perguntas, principalmente relacionadas aos riscos de ter um “agente” como ministra. Quem seria responsável por decisões erradas ou tendenciosas da Diella? Se concessões de contratos forem definidas por modelos complexos, como cidadãos, auditores ou empresas podem entender os critérios adotados? Atribuir a uma IA um cargo formal desafia princípios básicos da democracia representativa. Em vez de fortalecer instituições e reformas estruturais contra a corrupção, a IA pode servir como “atalho político”, mais simbólico do que substantivo. A questão mais importante é que, neste caso, a IA possui autoridade formal, e não apenas a função de apoiar decisões humanas.

Diella é, sem dúvida, um movimento ousado. Talvez ousado demais. Embora a IA possa contribuir para uma gestão pública mais eficiente e transparente, conferir-lhe status ministerial ameaça o próprio princípio da responsabilidade democrática. O caso revela como o uso simbólico da inteligência artificial pode ofuscar a verdadeira necessidade de reformas institucionais profundas.

A lição é clara: a IA pode apoiar a governança, mas jamais substituí-la.

(Imagem: Diella/Divulgação)

(*) Luciana Kuminek, Analista de Negócios em IA e Transformação Digital