Após a sua primeira saída do Kiss, em 1982, o guitarrista Ace Frehley lançou dois álbuns com uma nova banda, Frehley’s Comet. Em 1989, mais precisamente em 13 de outubro, lançava seu segundo álbum solo, o primeiro fora do Kiss, Trouble Walkin’. Contando com uma banda coesa, com Richie Scarlet, guitarra, John Regan, baixo e teclados e Anton Fig, bateria, Ace cria um álbum excelente, mostrando sua técnica como guitarrista e não decepciona como vocalista. Com a produção do mago Eddie Kramer, o álbum é um verdadeiro deleite aos apreciadores do hard rock. Os vocais de apoio são do trio Sebastian Bach, Rachel Bolan e Dave “Snake” Sabo, membros do Skid Row.
O álbum abre com uma explosão de energia. Shot Full Of Rock é um petardo de hard rock direto, com riffs agressivos e vocais cortantes. A guitarra de Ace comanda a faixa desde o início, e o solo é técnico e inspirado. A letra traz metáforas de combate e intensidade, espelhando o estilo de vida do rock’n’roll.
Do Ya é um cover da banda Electric Light Orchestra (ELO), escrito por Jeff Lynne. Ace dá sua cara à canção, com riffs mais sujos, andamento mais acelerado e vocais carregados de atitude. O refrão é espetacular, mantendo a essência pop do original, mas com uma roupagem hard. Um exemplo claro de como Ace sabe reinterpretar clássicos sem descaracterizá-los.
Five Card Stud tem uma sonoridade mais boogie, lembrando o Kiss da era Rock and Roll Over. A letra fala sobre jogo e risco, com muitas alusões ao pôquer. O groove da faixa é forte, sustentado pelo baixo de John Regan. O solo de guitarra é mais contido, mas extremamente eficaz, com frases marcantes.
Hide Your Heart é outra faixa cover, curiosamente lançada no mesmo ano por Paul Stanley no álbum “Hot In The Shade” do Kiss. A versão de Ace tem uma pegada mais crua, com guitarras mais rasgadas e vocais menos polidos. A música narra uma história de amor proibido e tragédia urbana. Embora seja menos conhecida que a versão do Kiss, ou da Bonnie Tyler, a interpretação de Ace tem charme próprio. Tem participação de outro ex-membro do Kiss, Peter Criss, nos vocais de apoio.
Lost In Limbo tem riff lento e arrastado, com atmosfera sombria. É uma das faixas mais densas do álbum. A letra fala sobre confusão e estagnação. A guitarra tem um timbre grave, sujo, quase sludge, dando um contraste interessante com as faixas mais aceleradas.
Trouble Walkin’, a faixa-título, é um dos grandes destaques. Groove de primeira, vocais fortes, refrão pegajoso e riffs afiados. A canção traz Ace em seu melhor estilo: sarcástico, irreverente e confiante. Os backing vocals de Sebastian Bach e membros do Skid Row adicionam um brilho especial. O solo tem aquela assinatura clássica de Ace, espontâneo, melódico e cheio de personalidade. Peter Criss também participa da faixa, nos vocais de apoio.
2 Young 2 Die é mais melódica e radiofônica, com letras nostálgicas sobre juventude e rebeldia. O ritmo e o solo vem em camadas, com um belo trabalho de harmônicos e bends. A canção soa como um lamento roqueiro, com toques de balada sem perder o peso. Novamente Peter Criss participa nos backing vocals.
Back To School é uma faixa divertida, com pegada adolescente. Traz um clima de filme de colegial dos anos 80. O refrão é simples, quase bobo, mas funciona dentro do espírito leve da música. Peter Criss aparece nos vocais de apoio. Os riffs são diretos, e Ace soa relaxado, brincando com os clichês do rock juvenil.
Remember Me é uma balada hard rock com clima emocional. A letra é introspectiva, e o vocal é mais suave do que o habitual. O solo é cheio de sentimento, com notas bem escolhidas. É um momento de respiro no álbum, mostrando uma faceta mais sensível de Ace, ainda que sem cair no sentimentalismo exagerado.
Tradição nos álbuns solo de Ace, esta é a terceira parte da série instrumental “Fractured”. Fractured III é uma peça suave, quase progressiva, com várias camadas de guitarra limpa, harmonias elaboradas e mudanças de andamento. Aqui, Ace mostra sua habilidade como guitarrista solo. É uma forma elegante de fechar o álbum, como uma assinatura pessoal.
Trouble Walkin’ é um álbum sólido, que mostra Ace Frehley como um artista maduro e confiante após sua saída do Kiss. Combina hard rock clássico, covers ousadas, boas composições próprias e uma produção limpa, sem exageros. Equilibra bem o peso das guitarras com refrões memoráveis, e revela a versatilidade de Ace não só como guitarrista, mas como vocalista e líder de banda. Embora tenha sido ofuscado pelo estouro do grunge nos anos 90, o álbum permanece como um registro digno e subestimado do hard rock. Do rock’n’roll. Do bom e velho rock’n’roll.
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