Tem alguma coisa de caipira que me encanta na cultura brasileira. Não sei bem de onde vem esse gostar, deve ser genético, pois está dentro de mim, aquece meu coração, e acende em mim uma enorme alegria que afasta as coisas más que, como pedras pontudas, muitas vezes surgem em nossos caminhos.
Esse encantamento, sem aparente justificativa, aconteceu quando ouvi, pela primeira vez, a música e letra de “Você vai gostar”, popularmente conhecida como Casinha Branca, de Elpídio dos Santos, na ocasião, cantada e tocada ao violão por um leigo. Bem mais tarde, para surpresa minha, a ouvi, novamente, em um concerto ao ar livre no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, em uma apresentação da Orquestra do Estado do Mato Grosso, que comemorava sua décima temporada de concertos no dia 27 de abril de 2014. Foi um prazer ainda maior ouvi-la, dessa vez interpretada pelo trio Pescuma, Henriqye & Claudinho, sob a regência do jovem e talentoso maestro e diretor artístico, Leandro Carvalho e, ”de lambuja”, o meu filho, João Titton, como spalla da orquestra.
Segue aqui a letra para quem ainda não conhece:
“Fiz uma casinha branca lá no pé da serra
Pra nós dois morar
Fica perto da barranca do Rio Paraná
O lugar é uma beleza
Eu tenho certeza, você vai gostar
Fiz uma capela, bem do lado da janela
Prá nós dois rezar
Quando for dia de festa
Você veste o seu vestido de algodão
Quebro meu chapéu na testa
Para arrematar as coisas do leilão
Satisfeito vou levar
Você de braço dado atrás da procissão
Vou com meu terno listrado
Uma flor do lado e meu chapéu na mão.”
Talvez seja a ingenuidade, que me encanta. Como aquela que se percebe nos temas e personagens retratados na obra de Candido Portinari, quando pinta ou desenha sua cidade natal, Brodowski. Localizada na região nordeste do Estado de São Paulo, com seu início ligado à Cia. Mogiana de Estradas de Ferro, a “Estação Engenheiro Brodoswski”, nomeada em homenagem ao engenheiro polonês Alexandre Brodowski, foi inaugurada em 1894. Ali, um povoado foi surgindo, aos poucos, em seu entorno, transformando-se, bem mais tarde (1913), em uma cidade emancipada.
Outra lembrança querida da música brasileira de raiz, que teve lugar especial nos dias de nossa infância, é a saudosa Inezita Barroso, e sua viola, cantando a inesquecível “Marvada Pinga” (1953). Ouvíamos repetidas vezes, recolocando o braço da vitrola, com sua agulha de diamante, sobre o “long play”. Não nos cansávamos de rir e cantar junto com ela. Com sua bela voz grave, e rara interpretação, Inezita, de família tradicional paulistana, se apaixonou pela primeira vez pela viola, instrumento que ainda não conhecia, quando de uma viagem para o interior de São Paulo, na sua infância. A partir de então passou a pesquisar a música brasileira. Inspirada nas pesquisas de Mário de Andrade, viajou o Brasil e registrou muito da musicografia caipira brasileira. Após enfrentar aquelas pedras do caminho, de que falei aqui no princípio da nossa conversa, Inezita Barroso iniciou, após longo período como professora universitária, uma experiência totalmente nova: apresentadora de rádio e televisão, em 1980, com o programa “Viola Minha Viola” em conjunto com Morais Sarmento. O programa durou mais de trinta anos.
Com muitos “causos ainda prá conta”, ficamos hoje por aqui, com esse aperitivo caipira para quem gosta das delicadezas e riquezas que o povo brasileiro cria e compartilha, derramando os encantos da nossa cultura de raiz que, nas noites de “luar do sertão”, aquecem os nossos corações.
(Foto de abertura: “Casinha branca”- Antiga casa de H.Loewen- foto de HayGraphiks, final da década de 60.)
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