
Aqueles que, como eu, na década de 80 já tinham uma certa quilometragem, têm dificuldade em explicar aos mais novos como era a vida naquela época. Lembro, por exemplo, quando meus filhos mais velhos, nascidos nos anos 70, viram no meu escritório um mimeógrafo. Um deles disse para o outro:
— Olha, uma xerox a álcool!
Anos atrás, juntei algumas publicações que relacionavam aquelas que seriam as pequenas tragédias do cotidiano, resultantes da tecnologia da época, mas muito humanas. Eram coisas que, a rigor, não tinham grande importância e que, na melhor (ou pior) das hipóteses, atrapalhavam ou atrasavam um pouco aquilo que as pessoas estavam fazendo.
Antes da internet, do Google e do Spotify, a juventude dos anos 80 enfrentava perigos que hoje parecem piada — verdadeiras tragédias silenciosas que destruíam tardes inteiras e deixavam sequelas emocionais. Mas… sobrevivemos a tudo isso.
A verdade é que cada geração tem os dramas que merece. Hoje a tragédia é o Wi-Fi cair no meio da série, ficar sem bateria no celular sem um carregador por perto, essas coisas, não é? Vou tentar fazer um inventário desses horrores que marcaram a adolescência de muitos.
Há diversas dessas listas disponíveis na internet; eu mesmo publiquei uma delas no meu blog e acho que vale a pena atualizar. Então, se você viveu aquela época, pegue seu walkman, ajuste a antena da TV e venha comigo revisitar esses horrores que, hoje, parecem hilários — mas na época eram o fim do mundo:
Quando as fichas acabavam no meio da ligação feita do orelhão — e bem na hora do “eu te amo”.
O disco riscava na melhor música. O vinil conspirava contra a felicidade.
Você datilografava errado a última palavra da página e não tinha fita corretiva para consertar. E sempre podia ser pior: você estava fazendo uma cópia com papel-carbono… Ah, mas depois apareceu aquele corretivo líquido que invariavelmente deixava um borrão, lembra?
Atari: esse console lendário era o centro do universo de um jovem. Quem nunca jogou River Raid? Mas se a fita não funcionasse, nem adiantava assoprar, rezar ou bater nela. Esse “recurso”, aliás, era uma das lendas espalhadas nas cantinas das escolas.
A pessoa esperava horas para gravar “aquela” música, pronta para apertar REC e PLAY ao mesmo tempo, mas… quando a música perfeita começava, o locutor inventava de falar as horas ou soltar uma vinheta no meio. Também acontecia de ele não dizer o nome quando a música terminava, e você ficava anos sem saber quem cantava ou como chamava aquela canção que havia amado. Quando descobria no folheto da Fisk que tinha decorado errado, era tarde — e você canta errado até hoje. Mas quando tudo dava certo, o maldito toca-fitas mastigava a fita.
Você, menina, tinha um daqueles diários com um pequeno cadeado, perdia a chave e, pior, seu irmão a encontrava. É claro que espalhava todos os seus segredos na escola. Ele também bebia o líquido das Mini Cokes que você juntava, mas, apesar da raiva, você se assustava quando alguém dizia que “o filho do amigo do tio do vizinho” tinha morrido depois de beber aquilo.
E quando alguém fumava perto de você, no ônibus e até dentro do elevador?
Chegar à padaria e lembrar que tinha esquecido o casco do refrigerante de vidro? Não havia choro: se não fosse conhecido do dono, voltava para casa sem ele.
A televisão era o coração da casa, mas também fonte de frustrações. A imagem saía do ar bem no capítulo final da novela, e lá ia seu pai, herói improvável, subir no telhado para mexer na antena. “Melhorou?” — ele gritava, enquanto sua mãe, embaixo, fazia o relatório: “Melhorou o canal 5, piorou o 11!”. Nunca todos os canais ficavam bons ao mesmo tempo, e você acabava assistindo ao “Show de Calouros” com chuvisco.
As fotos do seu aniversário? Você descobria que o filme inteiro, todas as 36 poses, tinha ficado desfocado.
Lancheira traidora: quem nunca viu ou teve uma? O Kisuco vazava e os pães bisnaguinha com patê nadavam numa espécie de sopa açucarada.
Os anos 80 eram implacáveis com quem tentava ser “cool”. Fazer permanente ou cortar o cabelo repicado parecia uma boa ideia… até você olhar no espelho e perceber que parecia um integrante rejeitado do Duran Duran. Dançar lambada na festa da escola? Um momento de glória — até alguém tirar uma foto. Pior: essa foto sobreviveu e acabou na internet em 2025.
Em algumas cidades, o drama era quando a Kombi dos picolés, que trocava garrafas velhas por sorvetes e pintinhos coloridos, passava um dia depois de sua mãe ter jogado tudo fora.
Quem tentou dançar o Moonwalk do Michael Jackson no piso encerado de casa sabe: o resultado era uma queda de costas e um hematoma que durava meses.
Porém, nenhuma dessas dores se compara ao momento em que a Seleção de 82 foi eliminada. Era a beleza do futebol, a magia do toque de bola, a promessa de um hexacampeonato que, de repente, se transformava em cinzas. Era a prova de que a vida, assim como a bola de Zico, podia ser implacável.
E quando, naqueles cadernos de enquete que circulavam entre os colegas, na pergunta “Quem você deixaria numa ilha deserta?” alguém respondia: “VOCÊ”?
O desânimo quando, da caixa de 36 lápis de cor importados, só sobrava o branco.
Para finalizar: a tragédia que atingiu não apenas os jovens daquela época, mas todo o Brasil. A derrota para a Itália, em 5 de julho de 1982, no Estádio de Sarriá, em Barcelona, provocou uma comoção nacional. O time de Telê Santana, que encantava o mundo com Zico, Sócrates, Falcão e companhia, era considerado praticamente imbatível. A queda inesperada gerou lágrimas, luto coletivo e a sensação de que o futebol-arte havia sido traído pelo pragmatismo. Até hoje, muitos torcedores guardam aquele dia como uma das maiores tristezas esportivas da nossa história.
Imagem: gerada por I.A
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