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Geração Z do Brasil não é igual à de países ricos; veja quem são e como pensam os jovens brasileiros

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Sempre que ficou sem trabalhar Anderson Souza, de 24 anos, não se deu ao luxo de esperar pela vaga perfeita. “Agarrei o que apareceu.” Estudante de publicidade e propaganda, ele vem de uma origem simples. A mãe é empregada doméstica e o pai trabalha como pedreiro e pintor. “Meus pais seguraram muito a barra para que eu não precisasse trabalhar durante o ensino médio.”

Em 2017, concluiu o ensino médio numa escola técnica e só ingressou na universidade em 2020. Mas o sonho da graduação foi adiado pela pandemia de covid-19 — e as demandas crescentes que surgiram com o trabalho remoto. Em 2021, conseguiu retomar os estudos. Hoje, se mantém na universidade graças ao Prouni (Programa Universidade para Todos). “Não passei em universidades públicas nem consegui bolsas em áreas que eu me identificava.”

A trajetória de Anderson — bastante comum no País — ajuda a desmistificar um quase consenso que se criou em torno da chamada Geração Z — formada por aqueles que nasceram entre 1997 e 2010. Globalmente, são jovens que mudaram a maneira de se relacionar com o trabalho e empregadores e deram origem a movimentos importantes, como great resignation (grande renúncia) e quiet quitting (demissão silenciosa).

Como começaram a vida num momento em que a economia global convive com uma baixa taxa de desocupação, podem, em tese, se dar ao luxo de escolher os seus empregos. Anderson, por exemplo, compartilha das bandeiras da Geração Z: busca trabalhar numa companhia com propósito, que acolha a diversidade, estimule o desenvolvimento profissional e dê flexibilidade. “No meu segundo emprego, eu escolhi sair porque não me identificava com quem trabalhava lá, sendo uma pessoa LGBT e de baixa renda”, afirma.

Mas é difícil imaginar um caminho tão glamoroso para todos os jovens brasileiros, sobretudo para aqueles que estão nas camadas sociais mais baixas. Para esse grupo, muitas vezes não é possível encontrar vagas que se enquadrem aos seus propósitos e ideais. E, por necessidade, eles são obrigados a trabalhar no emprego que aparecer.

“O jovem da base da pirâmide chega no ensino médio e olha para frente com muita frustração, porque os empregos que estão disponíveis para ele são muito precários e sem muita confiança de que ele vai conseguir sair desse ciclo”, diz Breno Barlach, diretor da consultoria Plano CDE.

No Brasil, a população economicamente ativa (PEA) de 18 a 24 anos soma cerca de 15,2 milhões de pessoas — um contingente maior do que todos os habitantes da Bahia — e é altamente educada, pelo menos para o padrão brasileiro. Essa faixa etária alcançou 11,8 anos de escolaridade, um recorde, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

É verdade que essa faixa etária viu um crescimento na renda, ajudado pelos anos a mais de estudo e pelo bom desempenho da economia. Mas também é verdade que os números do mercado de trabalho seguem desafiadores. Trata-se de uma geração que enfrenta uma taxa de desemprego maior do que a geral do País — foi de 16,5% no ano passado, ante 8% da média nacional. E uma taxa de informalidade gigantesca, de 42,1%.

“A taxa de informalidade entre os jovens é maior. E isso se dá por causa dessa dificuldade de ingresso e estabilidade no mercado de trabalho”, afirma Lucas Assis, economista da consultoria Tendências e responsável pelos dados. “É um grupo mais vulnerável, especialmente os menos qualificados.”

Historicamente, o mercado de trabalho sempre foi mais difícil para os jovens. É uma realidade, inclusive, de boa parte dos países desenvolvidos. No início da vida laboral, é difícil saber se o jovem será produtivo ou não. Para as empresas, portanto, é mais arriscado contratar um profissional sem a certeza de como será o desempenho dele.

“A baixa experiência significa para o contratador uma insegurança grande. Qual pode ser o problema de contratar um jovem? Não se sabe se ele é bom ou ruim, se é produtivo”, diz Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).

O grande risco de uma entrada com vários tropeços no início da jornada laboral é o que os analistas chamam de “efeito cicatriz” – quando a desocupação ou a permanência em posições de trabalhos mais precários geram efeitos adversos ao longo de toda a carreira do trabalhador.

“A questão da falta de oportunidade para os jovens ainda é um desafio global”, afirma Assis, da Tendências. “Apesar do dinamismo mais positivo do mercado de trabalho, as condições estruturais ainda influenciam para que o mercado de trabalho siga caracterizado por elevadas desigualdades entre os grupos de população ocupada, altas taxas de informalidade entre os jovens e uma marcante heterogeneidade entre os setores produtivos. Pelo menos no curto prazo, não existe uma expectativa de reversão dessa vulnerabilidade entre os jovens.”

Formanda no fim de 2023 em relações públicas, Larissa Cruz, de 23 anos, sentiu as dificuldades de ingressar no mercado de trabalho. Depois de estagiar por dois anos na Universidade de São Paulo (USP) — onde também fez a sua graduação —, dedicou os últimos meses da faculdade ao trabalho final do curso e a procurar emprego. Conseguiu se colocar no mercado de trabalho apenas em maio deste ano.

“Eu acho que foi bem difícil (conseguir um emprego)”, afirma Larissa. “Nas vagas de entradas, são muitas exigências de experiência e conhecimento, o que um profissional júnior muita vezes não vai ter”, diz.

Larissa também é a primeira da sua família a entrar na graduação. Ela tem uma irmã mais nova, que cursa medicina veterinária. “Sempre foi uma prioridade. A gente cresceu já sabendo que iríamos fazer faculdade. Era uma certeza concreta.”

O impacto da desigualdade

No Brasil, a elevada desigualdade cria um abismo entre os brasileiros da Geração Z das diferentes classes sociais. Os jovens das classes C, D e E acabam sendo menos estimulados por famílias e escolas do que os brasileiros da elite. Os analistas apontam que um dos grandes entraves para transformar essa realidade passa por fazer com que o Ensino Médio se torne mais estimulante e prepare os jovens para o mercado de trabalho.

Hoje, a falta de perspectiva para seguir adiante na educação se dá pelo fato de a diferença salarial ser muito pequena entre quem não concluiu e quem concluiu o ensino médio. A diferença salarial só aparecerá quando se chega ao Ensino Superior, mostra um estudo da consultoria Plano CDE.

De acordo com o levantamento, aos 22 anos, um brasileiro que concluiu o ensino superior recebe R$ 9,4 por hora trabalhada. Os estudantes que concluíram o ensino médio ganham R$ 6,8, pouco mais do que os que não terminaram essa etapa educacional (R$ 6,2).

“Para o jovem dessa Geração Z que está no Ensino Médio, se ele não confia que não vai chegar na universidade — e muitos não confiam —, nem vale a pena concluir”, afirma Barlach. “Na percepção desse jovem, ele não ganha nada. Mas, claro, os estudos econômicos mostram que, ao longo da vida, o diploma de ensino médio faz muita diferença.”

Pai pobre, filho pobre; pai rico, filho rico

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos jovens de classes mais baixas, os últimos anos representaram um avanço em termos de mobilidade geracional, ou seja, a chance de uma criança pobre ter um futuro melhor que o de seus pais. “No passado, os filhos eram um espelho dos pais. Pai pobre, filho pobre e pai rico, filho rico. Isso teve uma melhora”, diz Marcelo Neri, diretor da FGV Social na Fundação Getulio Vargas (FGV).

Segundo ele, antes, 70% da educação dos filhos era determinada pela dos pais. Na Geração Z, esse porcentual cai para 47%. Para se ter ideia, nos Estados Unidos, esse número é de 32%; na Alemanha, 20%; e na Malásia, 19%.

No entanto, Neri explica que, mesmo representando uma melhora importante, no ritmo atual seriam necessárias sete gerações, ou 175 anos, para que pessoas da classe E chegassem a classe C. Hoje, diz ele, apenas 2,5% dos mais pobres conseguem chegar aos 20% mais ricos do País.

Danielle Menta, de 25 anos, e Sofia Hibino, de 21 anos, são exemplo de como o ambiente familiar e as condições financeiras ditam o ritmo de suas escolhas. Famílias mais estáveis economicamente ajudam a impulsionar carreiras e a facilitar as decisões desses jovens na hora de escolher o caminho profissional.

Danielle começou a trabalhar ainda adolescente, aos 16 anos, por meio do programa Jovem Aprendiz, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em uma função bastante distante do seu sonho profissional, que era cursar a graduação em psicologia.

Só quatro anos mais tarde, em 2020, já como universitária, que ela conseguiu sua primeira oportunidade na área, mas não necessariamente com a função que ela queria atuar. “Tinha a ver com minha área, mas não tanto”, lembra.

Hoje trabalhando como assistente de RH em uma agência de publicidade, já na sua área de atuação desejada, a jovem lembra que demorou um pouco para conseguir atingir esse patamar na carreira por causa das dificuldades econômicas pessoais e do momento histórico em que as pessoas da sua geração foram introduzidas ao mercado de trabalho.

Psicóloga de formação, ela conta que, apesar de cursar a graduação que sempre sonhou, ela precisou guiar suas escolhas profissionais com foco nas questões financeiras, e só chegando a atuar com o que gostava no seu emprego atual. “Quem consegue fazer isso desde o começo (escolher com o que vai trabalhar) é muito quem tem suporte financeiro dos pais”, diz Danielle.

Como no caso de Danielle, a questão financeira ainda é o fato determinante na chegada ao mercado de trabalho, desde os cursos a serem escolhidos até as vagas que esse público pretende concorrer para trabalhar. “Talvez isso (a maior capacidade de escolha) seja para pessoas muito privilegiadas, porque elas têm a capacidade de, desde o dia em que nasceram, fazer exatamente o que elas querem”, disse. “Essa não é a realidade de todos, de quem precisa se preocupar com a sobrevivência.”

Diferentemente de Danielle, a diretora de arte na agência, Sofia Hibino, prestes a se formar na faculdade de design gráfico, tem noção dos seus privilégios e como isso a guiou em suas escolhas profissionais. Ela lembra que, sem ter de ajudar financeiramente os pais, ou ter de se preocupar com o custeio dos seus estudos ao longo dos anos, pode se dedicar ao seu foco de ascensão na carreira.

Ela começou a trabalhar há dois anos, após escolher bem quais as vagas e empresas gostaria de atuar. Mas esse é um caminho que, ela mesmo, entende que não é a realidade de todos os integrantes da sua geração. “Eu tenho um amigo que teve uma luta muito maior para chegar aonde ele está, uma luta muito maior do que eu tive para chegar até essa posição que eu atuo hoje em dia”, pondera Sofia, que complementa: “Eu sei que é bem mais difícil para quem teve menos oportunidades do que eu”.

Para Marcelo Neri, apesar das dificuldades, essa nova geração tem condições de amenizar essa desigualdade no Brasil. “A mobilidade é muito lenta no País, mas o ponto positivo é que a nova geração é mais aberta e menos espelho dos pais (o que pode acelerar esse processo).” Um exemplo é que a Geração Z se reconhece mais como preta ou parda. Antes ocorria o contrário: “Se uma pessoa ascendia de classe, havia um processo de ‘embranquecimento’, pois se diziam mais brancas”.

Outro ponto é que a digitalização crescente facilita esse descolamento geracional. A mudança demográfica, com menor porcentual de jovens nos próximos anos, também deve interferir nesse processo. Mas não será um caminho fácil.

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