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ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

Velhas e curiosas gírias curitibanas do futebol

Quando ouvi pela primeira vez não atinei com a essência da coisa:

– Córnio, a bola saiu pra córnio.

Então me dei conta de que a palavra inglesa “corner”, que no Brasil foi aportuguesada para “escanteio”, tinha ganho em Curitiba uma “tradução” inusitada. Córnio nada tinha a ver com caprinos ou traições conjugais, por favor.
Algo semelhante se dava com a palavra “treino”, aqui adaptada para “trene”:

– Vamos assistir o “trene” do Ferroviário (ou do Coritiba ou do Atlético).

O dialeto trazia também outras pepitas. Se, por exemplo, um goleiro defendesse uma bola em lance de sorte ou reflexo, dizia-se que havia feito a defesa “na gata”. Talvez por isso, diversos goleiros no futebol brasileiro tiveram apelidos relativos a felinos: Mão de Onça, Pantera, Gato.

Defesas dessa complexidade eram qualidades dos goleiros ditos “rabudos”, capazes de pegar bolas pelo rabo. Oi, bola tem rabo? Pois no futebol de antigamente tinha. Castilho, do Fluminense, que esteve em quatro Copas do Mundo, foi o maior exemplo nacional de goleiro rabudo.

Torcia-se contra ou a favor, porém em Curitiba sempre fazendo fidusca. O vernáculo não conhece a expressão, que significava rogar praga contra os adversários. Se um sujeito mais forte sonhasse que alguém havia feito fidusca contra ele, o indigitado já podia encomendar a alma. No mínimo, tomaria sem perdão uma boa quantidade de bucuvas – termo curitibano para sopapos.

Era o tempo em que o picolé curitibano consumido nas arquibancadas era “dolé”, palavra que os tempos globais trataram de enviar para “córnio”.

De todas as expressões a mais engraçada era roscampeio, o efeito que fazia a bola girar sobre si mesma e voltar quando um craque batia de rosca, aquele malabarismo realizado com o uso dos três dedos externos do pé. Também desapareceu, porque as expressões regionais vão sumindo, fenômeno gerado pela linguagem padronizada da televisão e pelos dialetos das redes sociais. É uma perda e tanto.

Quem viveu a época do córnio, não pode se considerar feliz com essa nova linguagem. Nem com o fato de não haver mais jogos do Ferroviário, que também desapareceu – e não foi por falta de trene.

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