A banda paulistana Titãs lançou seu sétimo álbum, Titanomaquia, em 10 de julho de 1993. Um álbum pesado, visceral, barulhento, com letras pesadas, críticas e enérgicas, com a produção de Jack Endino, produtor do primeiro álbum do Nirvana e conhecedor do mundo grunge. Aliás, a estética grunge da época está muito presente no álbum. E ficou bom. É o primeiro sem o vocalista Arnaldo Antunes, que deixou a banda um ano antes.
O álbum começa como uma explosão, Será Que É Isso Que Eu Necessito?. Guitarras sujas, bateria direta e um vocal áspero criam um clima pesadíssimo. A letra é curta, repetitiva, quase um mantra de desespero: a busca incessante por algo que nunca satisfaz. É uma abertura caótica que já mostra o peso grunge que dominaria o álbum. “Ninguém fez nada, ninguém tem culpa. Ninguém fez nada de mais, filha da puta! Quem aqui não tem medo de passar o ridículo? Quem aqui, como eu, tem a idade de Cristo quando morreu?“
Nem Sempre Se Pode Ser Deus é rápida, seca e agressiva, lembra o hardcore pela velocidade e pela crueza. A letra ironiza o excesso de poder e as pretensões humanas, contrastando divindade e fraqueza. A energia é intensa e dá continuidade ao impacto inicial do álbum.
Disneylândia é um dos momentos mais icônicos do álbum. A canção funciona como uma colagem de referências ao noticiário mundial da época: guerras, política, mídia e cultura pop, tudo nivelado sob o conceito irônico de “Disneylândia”. A base instrumental é repetitiva e hipnótica, com guitarras tensas sustentando o discurso narrado. Uma crítica mordaz à globalização do espetáculo.
Hereditário é pesada, sombria e tem um riff nervoso que conduz a canção. A letra fala de comportamentos e padrões transmitidos entre gerações, muitas vezes de forma inevitável e destrutiva. É uma faixa curta, direta, sem espaço para respiro. “A cada parto, A cada luto, A cada perda, A cada lucro, O sol que dura, só um dia, A cada dia, o sol diário, Contra o que for hereditário. Contra o que for hereditário”.
Em Estados Alterados Da Mente, o clima é mais experimental, com uma sonoridade mais lenta e carregada de tensão. A letra aborda drogas, alienação e mudanças de percepção, em sintonia com o espírito da era grunge. O instrumental cria um ambiente denso e sufocante, que traduz bem o estado mental perturbado descrito.
Agonizando é um dos momentos mais pesados do álbum. A canção transmite dor e claustrofobia, tanto na letra quanto no instrumental arrastado. A voz é gritada, desesperada, acompanhada por guitarras graves e bateria seca. É quase um retrato musical do sofrimento físico e psicológico.
De Olhos Fechados é uma faixa curta, veloz e cortante. O vocal é cuspido em frases rápidas, sobre riffs agressivos. A letra sugere cegueira diante da realidade, uma recusa em ver o que acontece ao redor. O espírito punk-hardcore aparece forte aqui.
Fazer O Quê? é mais cadenciada, com groove pesado e riffs que se repetem de forma hipnótica. A letra traz um tom de resignação irônica: não há o que fazer diante do caos e da frustração. O refrão é quase debochado, reforçando a amargura mascarada por sarcasmo.
A Verdadeira Mary Poppins é uma das canções mais ácidas do álbum. A letra desconstrói a imagem da babá mágica da cultura pop, revelando um lado sombrio e grotesco. O instrumental é rápido e caótico, casando com a ironia da letra. É um tapa na cara da fantasia edulcorada da sociedade de consumo. “Eu sou o verdadeiro Bruce Lee, Eu sou o verdadeiro Bob Marley, Eu sou o verdadeiro Peter Sellers, Eu sou a verdadeira Mary Poppins. E eu sei que estou fedendo, Eu sei que estou apodrecendo”.
Felizes São Os Peixes é uma canção curta e paradoxalmente “leve” dentro do peso do álbum. A letra brinca com a ideia de felicidade na simplicidade dos peixes, contrastando com a angústia humana. O som é acelerado, direto, com refrão marcante. Um dos momentos mais sarcásticos e memoráveis.
Em Tempo Pra Gastar, a banda desacelera um pouco, criando uma atmosfera mais densa e arrastada. A letra reflete sobre o tempo como recurso inevitavelmente desperdiçado, em tom existencial. Os riffs são pesados, mas há mais espaço entre as notas, criando um clima reflexivo.
Dissertação Do Papa Sobre O Crime Seguida De Orgia é a faixa mais provocativa do álbum. O título já é impactante, e a música mistura crítica religiosa, ironia e caos. O instrumental é nervoso, alternando entre trechos mais cadenciados e explosões. A atmosfera é de paródia sombria, expondo contradições da moral religiosa frente ao desejo humano.
Taxidermia é o encerramento perturbador do álbum. A letra fala da prática de empalhar animais como metáfora para a artificialidade e a preservação da morte. O instrumental é pesado, quase fúnebre, com riffs graves e repetitivos. Fecha o álbum com sensação de desconforto e densidade, como se quisesse deixar o ouvinte inquieto.
Titanomaquia é um álbum radical, que marcou uma ruptura na sonoridade dos Titãs. Mergulhou no grunge/metal e abandonou o pop mais acessível que havia marcado parte da carreira da banda. É um registro pesado, sombrio, irônico e violento, tanto no som quanto nas letras, embora não tenha feito o mesmo sucesso comercial de obras anteriores. É um álbum com muito peso. O peso do rock’n’roll. Do bom e velho rock’n’roll.
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