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MARCUS VIDAL CABECA hojesc

Talking Heads e seu rock inventivo

A banda Talking Heads sempre foi muito inventiva. Muito criativa, sempre a frente do seu tempo. Tudo isso graças as letras de seu principal compositor, David Byrne, também vocalista e guitarrista. Com a ajuda de seus fiéis parceiros Jerry Harrison (guitarra e teclados), Tina Weymouth (baixo) e Chris Frantz (bateria), lançaram seu sexto álbum, Little Creatures, em 10 de junho de 1985. Uma pérola sonora de criatividade. Produzido pela própria banda, vendeu mais de 4 milhões de cópias e mostrou que o pop-rock também tem letras inteligentes e melodias complexas.

talking heads Little Creatures

O disco abre com And She Was, um pop rock fácil, mas com aquela estranheza sutil típica da banda. A canção conta a história de uma garota que, sob o efeito de LSD, tem uma experiência de quase levitação sobre a cidade. Byrne narra de forma irônica e quase documental. Os arranjos são limpos, com guitarras abertas e um refrão imediato, mas a letra revela o humor surreal da banda.

 

Com Give Me Back My Name o clima fica mais sério. A canção reflete sobre identidade e perda, com versos que soam tanto como um divórcio quanto como uma crítica social. A instrumentação é minimalista: baixo marcado, bateria seca e teclados discretos. Byrne canta de forma contida, quase melancólica.

Creatures Of Love é uma balada estranha e terna, onde Byrne mistura reflexões existenciais com imagens campestres e espirituais. O arranjo é quase country, com pedal steel guitar e um andamento lento. A letra trata do amor, mas sem o romantismo tradicional.

The Lady Don’t Mind é um dos momentos mais dançantes do álbum. Guitarras limpas, teclado vibrante e refrão hipnótico sustentam a narrativa de uma mulher misteriosa, confiante e independente. É um Talking Heads mais direto, mas ainda carregado de tensão rítmica e ironia.

 

Perfect World tem ritmo cadenciado e atmosfera quase bluesy. Byrne canta sobre um mundo ideal, mas com subtexto irônico, sugerindo que a perfeição talvez seja inalcançável ou artificial. A base instrumental é repetitiva e hipnótica, com guitarras entrecortadas e percussão sutil, que ficou a cargo do brasileiro Naná Vasconcelos.

Stay Up Late é humor e absurdo em estado puro. A canção é sobre um bebê e a ideia de mantê-lo acordado para “se divertir”, mas narrada como se fosse um estranho ritual. A linha de baixo é espetacular, e o refrão é quase infantil. Funciona como alívio cômico e mostra o lado teatral da banda.

Em Walk It Down a atmosfera é mais sombria e hipnótica. As guitarras soam mais secas, e a percussão cria um clima meio tribal, com teclados pontuais. Byrne canta de forma enigmática, misturando instruções e observações. É uma faixa que remete à fase experimental anterior da banda, mas com a produção mais polida.

Television Man crítica à onipresença da televisão e seu poder de moldar opiniões. É uma das faixas mais longas do álbum e mistura groove repetitivo, refrão explosivo com muita ironia. Byrne interpreta o personagem-título como um devoto da TV, quase uma figura religiosa, evidenciando o sarcasmo social da banda.

Road To Nowhere é o encerramento apoteótico. Um folk-pop otimista na superfície, mas com letra que reconhece o destino inevitável: “We’re on a road to nowhere, Come on inside”. A introdução coral e a gaita dão um ar de procissão festiva. E a sequência é sensacional. Uma canção com a marca da banda.

 

Little Creatures é o álbum mais acessível da banda. Menos experimental que os anteriores Remain in Light ou Fear of Music, ele aposta em melodias diretas, arranjos limpos e letras que mesclam humor, filosofia e crítica social. Mesmo abraçando o formato pop, o disco mantém a inteligência e a estranheza características da banda. É puro rock’n’roll oitentisa. O bom e velho rock’n’roll.

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