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MARCUS VIDAL CABECA hojesc

The Smiths e sua estreia esplendorosa

Quando surgiu em 1982 na cidade de Manchester, a banda The Smiths estava fadada a ser um marco na música britânica e mundial. Com seu álbum de estreia, lançado em 20 de fevereiro de 1984, que levava apenas o nome da banda, The Smiths, agradou público e crítica, com letras inteligentes e sentimentais e arranjos curtos, simples, porém poderosos. Com Morrissey nos vocais, Johnny Marr nas guitarras, Andy Rourke no baixo e Mike Joyce na bateria, fizeram um dos melhores álbuns da década. A produção de John Porter é impecável. E o destaque é a capa, com desenho do próprio Morrissey, do ator Joe D’Allesandro.

 

the smiths 1984

 

Reel Around The Fountain, com abertura lenta, quase hipnótica, que estabelece a estética do álbum: guitarra cintilante em arpejos, baixo melódico ocupando espaço de protagonista e um vocal confidencial, íntimo. A canção trata de iniciação, desejo e poder, mas sempre pela via da ambiguidade moral. Marr desenha um tema circular e sutil, que nunca explode; Morrissey responde com um canto contido que, aos poucos, se torna maravilhoso.

Em You’ve Got Everything Now, a banda acelera e deixa o cinismo tomar a frente. O contraste entre o brilho das guitarras e a acidez das palavras cria um retrato implacável de ressentimento social e afetivo. Rourke dirige a canção com linhas de baixo sensacionais, enquanto Marr intercala riffs e pequenos ganchos melódicos. A tensão entre doçura e rancor é o ponto.

Miserable Lie é a faixa mais dramática do disco. Começa como balada tímida, ganha corpo e, de repente, muda de marcha para um rock frenético. Marr ganha a canção com sua guitarra e Morrissey dá um show vocal.

Pretty Girls Make Graves é minimalista e insinuante, com batida leve e guitarra simples. A letra aborda atração e ironia. O arranjo é fabuloso.

The Hand That Rocks The Cradle é escura e envolvente. O arranjo tem acordes amplos, ressonantes, um baixo extraordinário. A canção paira entre ternura e ameaça.

Still Ill é o coração nervoso do álbum. Rítmica incisiva, guitarra suja e frases cortadas. Tudo soa pesado. Liricamente, é um autorretrato: corpo e mente em conflito, identidade em atrito com normas. Musicalmente, resume a química da banda, onde cada instrumento ocupa seu espaço com clareza cirúrgica, sem sobras.

Hand In Glove, o primeiro single da carreira da banda mostra a grandeza da bateria de Joyce, o baixo insistente, harmonia simples e um riff inesquecível. Morrissey se supera com uma precisão vocal grandiosa.

What Difference Does It Make? é um hino imediato, com progressões que soam clássicas sem serem óbvias. O refrão é elegante. A guitarra cria melodias que grudam. Por baixo do vigor, a velha tensão entre culpa e desafio.

I Don’t Owe You Anything tem um tempo mais lento, alma de balada soul com corpo indie. O baixo canta, a guitarra respira e o vocal flutua. Trata de dignidade e recusa. É o lado mais terno do disco, que revela como a banda sabia deixar espaço e silêncios soarem.

Suffer Little Children confronta a dor coletiva e a memória de Manchester. Marr escolhe acordes longos, Morrissey canta com solenidade, sem teatralidade excessiva. O efeito é devastador.

As edições estadunidenses posteriores incluíram mais uma faixa, ausente na versão britânica original. This Charming Man é uma das canções mais emblemáticas da banda e um marco do pop britânico dos anos 80. A faixa se destaca pela guitarra cristalina de Johnny Marr. O baixo de Andy Rourke segue pulsante, quase dançante, enquanto a bateria de Mike Joyce dá um ritmo firme e ágil, sustentando a vitalidade do arranjo. Sobre esse instrumental vibrante, Morrissey entrega uma interpretação cheia de ironia e teatralidade, cantando com humor e ambiguidade sobre atração, desejo e sedução em um encontro inesperado com o “homem charmoso” do título.

The Smiths é uma estreia rara. Chega pronto, com identidade nítida e vocabulário próprio. A produção é extraordinária. A dupla Morrissey/Marr entrega riffs e letras memoráveis e inteligentes. Uma forma de mostrar sentimentos em canções. Canções de rock’n’roll. Do bom e velho rock’n’roll.

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