O ano era 1975 e a manchete estampava a capa do jornal Notícias Populares: “nasceu o bebê-diabo em São Paulo”. A criança, que dominou o imaginário paulista por meses, tinha chifres e rabo – mais ou menos como é na capa do disco “Born Again” do Black Sabbath. Entre procissões, relatos médicos absurdos e muita histeria coletiva, o bebê-diabo entrou para a lista de lendas urbanas brasileiras mais icônicas, afinal, que negócio esquisito. A ideia era tão boa que foi copiada por Roman Polanski sete anos antes em O Bebê de Rosemary (1968, disponível no Paramount). Filme perfeito para comemorarmos a chegada do Halloween aqui na coluna. Então pegue sua pipoca e sua mamadeira com sangue de virgem e vamos falar deste que é um dos maiores clássicos do terror de todos os tempos.
Baseado no romance homônimo de Ira Levin, publicado em 1967, a história começa do jeito mais filme de terror possível: um casal que se muda para um apartamento novo. A jovem simpática Rosemary Woodhouse (Mia Farrow) e Guy (John Cassavetes), um ator em busca de emprego, são os novos moradores de um prédio antigasso em Nova Iorque, rodeado de histórias estranhas sobre crimes e bruxaria. Quando Rosemary engravida, começa a desconfiar que seus vizinhos e seu marido fazem parte de uma seita e estão envolvidos em uma conspiração para usar seu bebê em rituais sobrenaturais.
O Bebê de Rosemary é um daqueles filmes sem erro. Entre o clássico e o moderno, o diretor transporta o estilo de narrativa e movimento de câmera de Hitchcock para o cenário de experimentação do movimento da Nova Hollywood. Como era o final dos anos 60, não poderia faltar uma dose de psicodelia e comentário social (mas não podemos esquecer da ironia incômoda que é assistir um comentário social sobre machismo feito por ninguém menos que Roman Polanski, o inimigo número 1 das mulheres).
O roteiro, que também ficou a cargo do cineasta, é brilhante. Apesar da temática do filme girar em torno de satanismo e delírios psicóticos, a história se mantém muito pé no chão, de certa forma. Pode não ser uma opinião popular, mas assisti ao filme com a impressão de que já sabia como tudo iria acabar. Mas isso não me incomodou nem de longe. É a mesma sensação satisfatória de viajar de carro e curtir mais a estrada que o destino final.
Assim como na viagem, a vista bonita faz toda a diferença. Todos os elementos em cena se encaixam super bem e são agradáveis ao olhar, desde os móveis do apartamento e as roupas extravagantes dos vizinhos até o cabelo curtinho de Mia Farrow que marcou gerações. A atenção aos detalhes estéticos somada aos enquadramentos abertos e os movimentos de câmera dinâmicos, criam um contraste hipnotizante com o drama da protagonista, que em um mundo onde todos ao seu redor a chamam de louca, só lhe resta o espectador como companhia.
O Bebê de Rosemary é uma ótima pedida para comemorar o Dia das Bruxas sem as tosquices e clichês dos filmes de terror cheios de jumpscares, serial killers e efeitos especiais de demônios subindo pelas paredes. O horror acontece dentro da cabeça – e da barriga – de Rosemary. Nada mais assustador que ser taxado de louco, ainda mais quando você é uma dona de casa solitária e inocente. Uma boa sacada, e super atemporal. São tantas cenas marcantes e o final… só vou dar o spoiler do bercinho preto com um móbile de cruz invertida. Ah, e tudo se passa no edifício Dakota, no Upper East Side, onde uns aninhos depois John Lennon foi assassinado. Sinistro.
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