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ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

Jurista fuxiqueiro

pontes de miranda

Em 1963 houve uma polêmica que garantiu notícias nos jornais por algum tempo. Deu-se que Miran Pirih, iugoslavo de nascimento e brasileiro naturalizado, tinha sido eleito deputado estadual. As opiniões estavam divididas: por não ser brasileiro nato, poderia tomar posse ou não?

Dentro da Assembleia Legislativa havia defensores de ambos os lados. Pirih tinha sido eleito pelo PTB, de oposição ao governo Ney Braga. A bancada da UDN, da situação, era contra lhe dar posse, os petebistas a favor.

Como a querela arrastou-se, a TV Paranaense promoveu um debate entre as duas correntes. Pirih foi sozinho defender seu possível mandato, enquanto o lado adversário escalou dois deputados experientes na análise do regimento interno da Assembleia e na Constituição estadual.

Pesava contra ele o fato de, além de ser estrangeiro, vir de um país comunista, talvez interessado em minar a democracia nacional, espião do marechal Tito dentro do legislativo paranaense.

A trajetória de Miran Pirih desmentia a paranoia. Ele e a mulher deixaram a Iugoslávia com o objetivo de imigrar para a Argentina ou Paraguai. Enquanto o navio que os transportava passava por reparos no Rio de Janeiro, nasceu sua filha Mirna, razão suficiente para ficarem no Brasil. Foram para Rolândia e de lá para Nova Esperança, locais em que se tornou líder político, tanto que foi eleito deputado 15 anos mais tarde. Ainda falava com sotaque, o que prejudicava seu desempenho na televisão, mas mostrava que não iria entregar a rapadura com facilidade.

Então o lado contrário apresentou um documento de forte impacto: o parecer de Pontes de Miranda (foto), o maior jurista brasileiro, com argumentos taxativos, que iam do regimento interno da ALEP à Constituição Federal: Miran Pirih não poderia ser empossado.

O texto foi mostrado pelas câmeras, lido na íntegra e já em meio às expressões de alegria dos opositores, certos da vitória, a palavra foi passada a Pirih. Com seu domínio relativo da língua portuguesa, ele repetiu suas razões e desdenhou do parecer:

– Pontes de Miranda? Esse maior fuxiqueiro.

Estava encerrado o debate, sob risadas gerais.

Dias depois, o primeiro-secretário da Assembleia, Anibal Khury, sem dar a menor importância ao parecer do jurista fuxiqueiro, deu posse a Miran Pirih, que se revelou bom deputado.

Ao fim daquela legislatura, a filha Mirna casou com Flávio Roberto Pecoits, filho do seu colega de Assembleia Legislativa, Walter Pecoits. Foram viver em Francisco Beltrão, terra do marido, onde ela criou a Escola de Ballet Mirna Pecoits, muito respeitada na região. Décadas depois, recebeu o título de Cidadã Honorária do Paraná, na mesma Assembleia em que seu pai e seu sogro exerceram os mandatos.

Miran Pirih hoje é nome de rua em Nova Esperança, onde ninguém tomou conhecimento da bisbilhotice de Pontes de Miranda.

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