Ontem assistia a um filme, quando fui surpreendida por uma observação de um dos personagens falando da saudade que sentia do peso da cultura. Essa ideia não me saiu da cabeça e fiquei pensando no assunto; achei que essa questão merecia ser compartilhada aqui, com vocês.
O peso da cultura, no sentido literal, como quando se segura um livro nas mãos, ou os discos de vinil – long-plays – com suas capas que proporcionaram espaço às criações de muitos artistas e que, mais tarde, foram substituídos pelos seus parentes, menores, os CDs em suas caixinhas de plástico. Eu que gosto de ouvir música no carro e sinto uma falta imensa da liberdade de colocar o CD do meu músico favorito, já com a seleção preestabelecida e esperada, sem ter que organizar minha própria seleção. Há que se admitir que é muito bom poder encontrar no Youtube, quase tudo o que se busca, como aqueles discos que não tenho mais: os Jograis de São Paulo, por exemplo, ou Paulo Autran recitando Cecília Meireles…coisa dos Deuses!
Das revistas, nem se fala, “O Cruzeiro” a “Manchete”, de onde copiei os primeiros retratos feitos com grafite em papel de caderno. Mais tarde a “Veja” (ainda nas bancas) e que a mamãe assinava e recebia semanalmente, lida de cabo a rabo. Quando não chegava, era aquele alvoroço. Essas peças de informação foram deixando as mesinhas dos consultórios mais vazias e aquilo que era compartilhado, passando de mão em mão, até acabar nas temidas tesouras das crianças que as recortavam para ilustrar os trabalhos escolares, foi dando lugar à individualidade das informações zapeadas por cada um, imerso na solitude e na leveza de cada pequeno celular.
De maneira geral, vamos aos poucos – rápida ou lentamente – abandonando as práticas manuais como o bordado, ou o tricô, que as mães, tias ou avós ou nós mesmas fazíamos no inverno para aquecermos as mãos, colo e o corpo dos entes queridos. Tricotávamos fios de variadas texturas, espessuras e cores, que buscávamos nos armarinhos com suas cartelas de fios coloridos, ansiosas por novidades como a “felpuda Lã Francia”.

Era toda uma cultura do tecer. Tinha os equipamentos – como as agulhas de vários materiais e grossuras –, as técnicas desafiadoras – como a de tricotar meias com quatro agulhas –, até o capricho de se manter uma toalha branquinha no colo para não sujar a obra que ia, ponto a ponto, sendo construída. Sorte de quem tinha aquele tubo feito de tecido recoberto de plástico, para se carregar o tricô em andamento. Tinha furos nas pontas, para passar as longas agulhas, e era objeto de desejo, assim como o suporte de madeira com tecido, que ficava ao lado do sofá com todos os produtos necessários para facilitar o trabalho: as várias agulhas, tesouras e outras “preciosidades”.
Hoje, como vamos ficando cada vez mais sem tempo, já que a tecnologia nos ocupa a maior parte do dia, preferimos comprar tudo nas lojas, já pronto, apesar da falta de qualidade, delicadeza e esmero com que eram feitas as roupas em casa. Havia o maior cuidado, desde a escolha do tecido, forro, acabamento, penses e ajustes pessoais, seguindo, ou não, os moldes e modelos do figurino “Burda” (que está completando setenta e cinco anos de idade este ano). Hoje…só mesmo na “alta costura”.
Assim, vamos esquecendo os fazeres do corpo, deixando tudo só para o cérebro, e ainda há quem diga que, mesmo isso, estamos deixando para a Inteligência Artificial. Passaremos a ser apenas consumidores? Ficaremos sem os prazeres da criação e sem os espaços, necessários nas prateleiras das bibliotecas de casa, também aquelas para os discos e CDs, ou as gavetas das lãs e fios, das “peças” de tecido, sempre pesadas e volumosas? Hoje podemos “chiquemente” morar em apartamentos de vinte e quatro metros quadrados, já que a academia e o salão de festas estão garantidos. Mas isso é uma outra história, pois do peso das coisas, só tem saudades quem as teve e com elas viveu, já que não se sente falta daquilo que não se conhece.
(Ilustração de abertura:”A Pátria”- Pedro Bruno (1888-1949) – óleo sobre tela – 1919- medindo 190x278cm – Acervo Museu da Repíblica- Rio de Janeiro.)
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