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Eleições de outrora

ERNANI BUCHMANN CABECA hojesc

Aquilo sim é que eram eleições. O pau comia, no andar de cima e, muito mais no andar de baixo. Ou seja, havia broncas entre caciques e fundunços para todos os gostos entre cabos eleitorais, fiscais dos partidos e eleitores. Ninguém estava a salvo.

Em Curitiba, por exemplo, os desacertos entre os grupos dominantes (Bento Munhoz da Rocha x Ney Braga), na eleição para prefeito em 1958, levaram à eleição do General Iberê de Mattos, do PTB. Não faltaram acusações de lado a lado, todos acusando todos de traição. E os petebistas rindo de orelha a orelha.

Em anos anteriores, os da minha primeira infância em Joinville, o dia das eleições era uma festa. Meu pai, presidente de mesa, saia muito cedo de casa, de paletó e gravata, para trabalhar em seções eleitorais da periferia, no Cubatão, no Itaum, onde não se sabia o que poderia acontecer. Meu tio Carlos Cassou era mais previdente: presidia a mesa de gravata, com um revólver no coldre.

As ruas ficavam forradas de santinhos. Era uma sujeira cívica, que começava nos postes, embrulhados por cartazes eleitorais, seguia pelos muros, decorados como se fossem bricolagens políticas. Levava uns bons meses para que fossem eliminados os dejetos da eleição.

As cédulas eram um espetáculo à parte. Cada candidato imprimia as suas. Aos eleitores cabia colocar a de cada concorrente da sua preferência dentro de um envelope rubricado pelo presidente e pelo secretário da mesa.

Digamos que fosse uma eleição completa, para todos os cargos executivos e legislativos, de presidente da República a vereador, com dois senadores no meio. Ou seja, oito candidatos a serem eleitos. O eleitor precisava depositar oito cédulas no envelope. Por conta desse sistema, meu pai, candidato a vereador (“Um soldado do PTB e de Getúlio Vargas”), perdeu uma aposta com meu tio Freddy Guimarães. Ele fez 99 votos e havia apostado que chegaria a 100. Freddy apostou que não chegaria e ganhou a parada sem querer: como esqueceu de levar a cédula do cunhado, não votou nele.

As possibilidades de fraude eram imensas. A mais comum era forrar a urna com votos antes de ela ser lacrada e a eleição começar. O voto de cabresto imperava nos grotões, a compra e venda de votos também. Rasgava-se uma cédula no meio e, com o candidato vitorioso, o eleitor ia buscar a outra metade. Isso valia também para pares de sapatos ou brincos. E era permitido que partidos e candidatos transportassem eleitores, em uma época em que não existia assédio eleitoral.

A apuração era um evento midiático. Duravam dias, com votos chegando do interior. Em Curitiba a Rádio Cultura dominava as apurações com seu slogan mortífero: “Urna aberta, notícia no ar”. E lá vinha o resultado de cada urna, cada seção eleitoral. Os palpites corriam soltos, os candidatos suavam frio e todos acusavam todos de fraude.

A urna eletrônica, com sua frieza de resultados quase em tempo real, tirou toda a magia daquele tempo de diversão e roubalheiras institucionalizadas. Essa coisa pasteurizada de hoje traduz a vontade dos eleitores, mas não tem a magia daquela época de vale-tudo.

Posto isso, vamos às urnas, moçada. O Brasil não é Venezuela, resultados e atas são confiáveis, não existem fraudes. Mas quem viveu aqueles tempos de antanho tem saudades daquela zorra. Digo melhor, daquela zona.

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