No episódio de setembro de seu podcast, o escritor Morgan Housel, autor dos best sellers The Psichology of Money e Same as Ever, aborda as diferenças entre o conhecimento cíclico e o conhecimento cumulativo. Para tal ele faz uso de uma citação do escritor e investidor americano, Jim Grant: “Algumas áreas são dominadas pelo conhecimento de natureza cumulativa. A sociedade ganha conhecimento ao longo do tempo e cada geração tem mais conhecimento do que anterior. O que uma geração passada aprendeu passa a ser o ponto de partida da geração atual, que evolui a partir disso. Em outras áreas, onde o conhecimento é cíclico, nossa capacidade de aprender com o passado é menor. E cada geração precisa começar do zero e ir aprendendo passo a passo, percorrendo os mesmos caminhos que as gerações anteriores percorreram.”
Um bom exemplo a ilustrar a natureza do conhecimento cumulativo é a história da morte do Presidente dos Estados Unidos James Garfield. Garfield foi baleado em 2 de julho de 1881 por um advogado desapontado por não ter conseguido um cargo público. O ferimento não foi inicialmente fatal, mas Garfield acabou falecendo em 19 de setembro de 1881 devido a uma infecção causada pelos médicos que o tentaram ajudar. Por semanas a fio os médicos escavaram o corpo do James Garfield procurando pela bala de revólver nele alojada. Seus médico não acreditavam na existência dos germes. Assim, os procedimentos foram feitos sem os devidos cuidados com higienização e esterilização, o que quase certamente foi a causa da infecção fatal que acabaria por tirar a vida de Garfield. Conforme escreveu a historiadora Candice Millard em seu livro Destiny of the Republic, a existência de germes invisíveis que pudessem causar tanta dor, doença e morte, era considerada ridícula pelos médicos que trataram o presidente. Nas palavras de um deles: “No futuro nós provavelmente seremos mais ridicularizados pela crença em germes invisíveis do que nossos antepassados foram pela crença em espíritos”. Estas eram as opiniões dos melhores médicos do país! Atualmente mesmo uma criança pode ler essas palavras e perceber quão insanas elas são. Esse, naturalmente, não é um caso isolado. Os espectadores da série MadMen, que retrata a vida dos publicitários novaiorquinos dos anos 60, certamente irão se lembrar de cenas em que a arte apresenta situações nas quais o cigarro é recomendado por médicos como sendo terapêutico para algumas doenças.
Felizmente a humanidade evoluiu a partir dessas crenças. Hoje nós não mais acreditamos nelas. Evoluímos para novas crenças e padrões, muitas das quais provavelmente deverão ser mudadas no futuro. Todos aprendemos e esse aprendizado foi passado de geração a geração. Hoje estamos todos melhores por conta desse conhecimento.
Quando se fala de dinheiro e de empreendedorismo temos uma realidade diferente. Cerca de 130 anos atrás o autor William J. Dawson, na obra The Quest of the Simple Life proclamou: “A coisa que menos se percebe sobre a riqueza é que todo prazer no dinheiro acaba no ponto em que a economia se torna desnecessária. O homem que pode comprar qualquer coisa que cobiça, sem nenhuma consulta com seu banqueiro, não valoriza nada que compra.” Essas palavras poderiam ser escritas hoje e ainda assim fariam muito sentido. Vale o mesmo para o empreendedorismo e a busca de um sentido de propósito na vida, como se percebe nas palavras de Steve Jobs no célebre discurso de formatura em Stanford em 2005: “Seu tempo é limitado, então não o desperdice vivendo a vida de outra pessoa. Não fique preso ao dogma – que é viver com os resultados do pensamento de outras pessoas. Não deixe que o barulho das opiniões dos outros abafe sua própria voz interior. E o mais importante, tenha a coragem de seguir seu coração e intuição. Eles de alguma forma já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário”. Lá se vão 20 anos, mas as palavras continuam atuais.
Quando se compara a medicina atual com a medicina 100 anos atrás, percebe-se o quanto se aprendeu e se questiona como era possível acreditar-se no que se acreditava na época. Quando se fala de dinheiro, empreendedorismo e propósito, parece que nada mudou. Estamos sempre nos perguntando as mesmas perguntas, sempre lidando com os mesmos problemas e provavelmente continuaremos a fazer isso sempre.
Essa diferença de aprendizado se deve a algumas razões. Uma delas é que alguns campos possuem verdades quantificáveis. Outros são guiados por crenças vagas e por circunstâncias individuais. O físico Richard Feynman certa vez fez uma provocação sobre como a física seria difícil se os elétrons tivessem sentimentos. Em todo campo em que que há estudo do comportamento das pessoas é como se os elétrons tivessem sim sentimentos, o que torna tudo muito mais difícil.
Outra razão é que tópicos guiados por comportamento, como dinheiro, propósito, filosofia e empreendedorismo, não podem ser resolvidos por uma fórmula como física e matemática. Diz-se que o bom da ciência que ela é verdade quer você acredite ou não. Já para perguntas como ‘qual o nível de renda que você deve ter para ter uma boa vida’ ou ‘qual a estratégia que deve ser seguida em uma nova startup?’, ‘qual segmento de mercado priorizar numa empresa em um mercado em transição?’ não há respostas diretas. As respostas sempre dependerão de aspectos culturais, de humor, de tendência, das pessoas, dos sentimentos envolvidos, dentre tantas variáveis. Mesmo que existam regram financeiras sólidas e históricas, algumas verdades precisam ser experimentadas em primeira mão e de forma pessoal para que se possa entendê-las.
A incapacidade de aprender de forma integral sobre a experiência de outras pessoas implica que se deve aceitar um nível de volatilidade e fragilidade nas respostas que se dá para os campos onde há conhecimento cíclico. Pode-se imaginar o mundo daqui a 50 anos em que o câncer e outras doenças estejam curadas ou pelo menos controladas. É muito difícil, contudo, imaginar o mundo daqui a 50 ou 100 anos onde abrir um negócio novo, criar algum empreendimento ou tomar uma decisão financeira não possuam um componente de volatilidade e de incerteza. Independentemente da quantidade de dados que se tiver e da inteligência das pessoas envolvidas, o elemento de volatilidade vai estar sempre presente.
Esse é um dos traços que faz do empreendedorismo uma atividade tão difícil e ao mesmo tempo tão nobre. Ter sucesso como empreendedor implica não apenas ter as respostas certas, mas ter também a atitude certa. E ter a atitude certa é saber que o empreendedor é um ser que deve se construir a cada etapa do negócio. Não há respostas objetivas sobre o sucesso na carreira de empreendedorismo. Mas é pela sua natureza de conhecimento cíclico que se pode dizer que, quanto maior forem a paixão por aprender e a resiliência, maiores serão as chances de sucesso.
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